A banalização do mal e o adormecimento das consciências

A jornalista Hannah Arendt acompanhou, em Israel, o julgamento de Adolfo Eichmann e, quer o carrasco nazi fosse ou não o homem comum que a jornalista viu nele, intuiu a tragédia da “banalidade do mal”, expressão que usou no livro que, a seguir, escreveu, “Eichmann em Jerusalém – Um relato sobre a banalidade do mal”, onde diagnostica a origem dos totalitarismos.

A expressão é hoje frequente, porque as consequências são devastadoras e repetitivas, e está longe de provocar a reflexão que devia. A democracia tem descurado a sua defesa, mesmo quando a Constituição a protege sem ambiguidades.

O advento de partidos neofascistas é hoje evidente, na Europa e no Mundo, e Portugal não foge à regra, apesar de a CRP os proibir.

O Tribunal Constitucional errou ao legalizar o ‘Partido Cidadania e Democracia Cristã (PPV/CDC)’, onde aparece a sigla referente a ‘Portugal pró-Vida’, permitindo o nome, por serem ilegais as referências confessionais. Fê-lo, aliás, contrariando a sua própria jurisprudência.

Já no caso do Chega é difícil dizer que errou. É fácil apresentar um programa aceitável constitucionalmente e ter uma prática delituosa, incompatível com a CRP, a decência e a salubridade política.

No primeiro caso foi uma decisão infeliz, mas sem riscos; no segundo foi uma decisão legítima, mas perigosa. Ser reacionário não é crime; ser fascista, é. A ideologia fascista, em si, é um mero anacronismo, mas a sua práxis é delituosa.

O aparecimento de um partido que defende abertamente a subversão democrática, que promove o racismo e incita ao crime cai sob a alçada legal, mas sabemos como é frouxa a democracia a defender-se dos adversários. É, aliás, o único regime que os permite.

O partido nazi/fascista, que goza de amplas cumplicidades nos média, nas redes sociais e em nostálgicos da ditadura, vai-se infiltrando nas forças policiais, militares e sindicais, e normaliza o que, ainda há pouco, raros ousavam verbalizar. É o guarda-chuva aberto a marginais, terroristas ideológicos, membros de seitas e outros indivíduos de mau porte.

As semelhanças com o ambiente dos Anos Trinta do século passado causam perplexidade e calafrios. A publicidade concedida ao Chega e a displicência com que é tratado, como se fosse um partido democrático, amedrontam os que sofreram a ditadura.

Falar do mal é dar-lhe publicidade, mas ignorá-lo é deixá-lo à solta a envenenar os que esqueceram a mais longa ditadura europeia e suportaram 13 longos e dolorosos anos de guerra colonial.

A tragédia da pandemia não faz mais do que adensar receios de novos totalitarismos, como aconteceu com a gripe espanhola, há um século.

E os totalitarismos podem ser de natureza antagónica.

Ponte Europa / Sorumbático

Comentários

Jaime Santos disse…
Arendt fez um análise detalhada do que define um totalitarismo. Eu limito-me a constatar que todos os aprendizes de ditadores se caracterizam pelo absoluto maquiavelismo. Se a sociedade pura do amanhã requerer milhares ou milhões de mortos, pois que assim seja, dizem eles, começando em Maximilien de Robespierre e acabando em Hitler, Estaline, Mussolini, Franco, Mao, etc...

É por isso que esta nossa democracia chamada por alguns de burguesa é tão preciosa, pois nega a absoluta soberania. Os homens não são soberanos, a Lei é que é soberana e eles a ela se submetem. Obviamente, esta ordem legal frustra todas as tentativas de captura pelos iluminados dos amanhãs que cantam, sejam eles de que cor forem, mas ela só resistirá enquanto houver quem a defenda...
joão pedro disse…

È minha convicção de que não poderemos contar com a social-democracia para conter os avanços do fascismo !

Para não ir mais longe, sejamos claro: Não conto consigo para combater o avanço do fascismo !4

João Pedro

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