O direito ao contraditório e o ruído

Gosto de quem exerce o legítimo direito de discordar das minhas posições invocando o gosto de pensar pela própria cabeça, na insinuação subliminar de que eu penso com uma cabeça alheia.

Aprecio a alegação contra a denúncia dos crimes cometidos por Hitler, Franco, Pinochet ou Salazar com perguntas retóricas sobre os de Mao, Estaline, Enver Hoxha ou Pol Pot, como se alguma vez tivessem defesa uns ou outros.

Agrada-me o argumento irritado, quanto à denúncia de crimes cometidos por militantes de um qualquer partido, com o desfiar do rol de delinquentes de um partido concorrente, como se a bondade partidária se medisse pela conduta dos militantes.

Regozijo-me com a amnésia dos admiradores de Cavaco, Passos e Portas, que os julgam salvadores da Pátria e responsabilizam o governo anterior pelas suas malfeitorias, como se a crise financeira mundial de 2008 não tivesse existido, e ignorando que a falência de um Estado ou de uma empresa (bancarrota) não se confunde com a fissura numa banca da praça do peixe (banca rota), como há uma década vêm escrevendo.

Mas nada me extasia tanto como os ataques irritados a qualquer governo que não inclua o PSD e o seu apêndice de serviço, o CDS. Há quem, na sua crença, pense que Cavaco é um intelectual e Passos Coelho um académico. É mais um motivo para minha diversão.

Finalmente, resta-me recordar à direita truculenta a satisfação manifestada pela eleição de Bolsonaro, por Paulo Portas, Nuno Melo, Assunção Cristas, André Ventura e Luís Nobre Guedes, para não falar da carta de felicitações que Santana Lopes lhe enviou.

Comentários

Jaime Santos disse…
Quando alguém se insurge contra um crime cometido por um determinado algoz mas não se apressa a criticar o algoz do seu lado, eu confesso, Carlos Esperança, que sinto uma certa urticária. Como o Carlos Esperança é um democrata que despreza todos os ditadores, eu não lhe consigo apontar nada. E nem sequer posso criticar a sua opinião sobre a falta de credenciais democráticas de boa parte da nossa Direita, porque concordo inteiramente com ela.

Vem isto a propósito do recente aniversário de Lenine, cuja figura os seus seguidores se apressam a contextualizar, além de ressalvarem o legado da sua obra para as lutas anti-coloniais, esquecendo que o biltre, além de ter sido o carrasco de muitas vítimas, também foi provavelmente o carrasco de um socialismo de rosto humano, como antes Robespierre fora pelas mesmas razões o carrasco do radicalismo liberal.

O único partido a que vale a pena pertencer é de facto o da Liberdade. Todos aqueles que a sacrificam em nomes de altos ideais ou de visões dementes como a do Nazismo (que para os seus seguidores era seguramente o alto ideal de uma nação etnicamente pura) esquecem-se que no fim de contas, como dizia Bakunine, o único objectivo de uma ditadura é a sua própria perpetuação...
joão pedro disse…

O Jaime parece vindo da Twilight zone. Oh homem, já não estamos no século XIX.

João Pedro
Jaime Santos disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Jaime Santos disse…
Não, João Pedro, eu sei bem que estamos no século XXI, por isso é que nos lembramos do Terror Vermelho de Lenine e de Trotsky, precursor do Gulag do Papá dos Povos, figura sinistra que você parece que gosta de elogiar.

O heroísmo dos povos da URSS na derrota do nazi-fascismo não apaga estes eventos, assim como não apaga o pacto germano-soviético para partição da Polónia, o massacre das elites polacas em Katyn, a repressão dos protestos populares em Berlim Oriental em 1953, as invasões da Hungria e da Checoslováquia. Quer mesmo que continue?

Como vê, eu saí há muito de 1848. O João Pedro é que se calhar não saiu. O espectro de que falava Karl Marx é hoje um fantasma esquálido (e vem você falar da Twilight Zone!) que não assusta por aí além, há hoje ameaças mais preocupantes e prementes, muito embora parece que há gente que insiste em lhe tecer encómios (palavra bela, mas em desuso ;) )...

A falta de memória sobre a História do Século XX é uma coisa danada. Ou se calhar para certa gente o problema não é esse, é o mesmo dos Bourbons após a Revolução Francesa. Não esqueceram nada e não aprenderam nada...
Jaime Santos,

O centralismo democrático é uma tara leninista e, parece, continua a ter defensores.
Jaime Santos disse…
'Centralismo democrático' é uma daquelas contradições nos termos, Carlos Esperança, típicas do 'double-think' que Orwell satirizou com maestria...

Que haja quem nos dias de hoje se atreva a defender a herança dessa trindade danada, Lenine, Trotsky e Estaline, é algo que ainda me surpreende, ou se calhar nem tanto, é um pouco como aqueles crentes na IURD, que depois de exposta a venalidade dos seus bispos em vídeo, agachados em concupisciência com Mamom, persistem em continuar a acreditar na bondade da empresa (o termo é esse)... Só que os crimes do Comunismo ultrapassam em muito as trapaças de Edir Macedo e dos seus...

Aliás, foi triste de ver a atitude obscurantista de quem foi comemorar o 1º Maio para a rua, qual Bolsonaro no meio dos seus fiéis. Se querem com isso infectar toda a militância idosa, estão bem encaminhados, estão...

Acho que isso tem um nome em psicologia, 'falácia dos custos irrecuperáveis'. Investiram tanto do seu tempo e até da sua vida numa causa, que agora não conseguem aceitar que a coisa faliu de alto a baixo. É pena, porque muitos deles até são gente estimável e com um historial de luta contra o Fascismo (goste-se ou não, nenhum Partido se opôs tanto a Salazar como PCP)...

O que se calhar explica também porque chamam a um regime ditatorial de Capitalismo de Estado como a China um regime comunista e a outro que é uma Monarquia Teocrática como a Coreia do Norte (acho que o Kim Il Sun é ainda Presidente Eterno :-) ) também...

Seria cómico, se não fosse trágico...
A China é um país capitalista com uma ditadura violenta e que pode conquistar o mundo. Não há outro país onde o número de milionários cresça tanto como na China.

Chamar comunista ao partido único é como chamar vegetariano a um cliente do Pedro dos Leitões.
Jaime Santos disse…
Não me parece que os chineses tenham intenções territoriais hegemónicas, para isso tem que falar com o império a Ocidente, mau grado as tretas isolacionistas de Trump (o isolacionismo quer simplesmente dizer que os EUA ainda se comportam de forma mais boçal que do costume).

Mas seguramente que têm intenções de investir o dinheiro que ganham a vender-nos coisas, a comprar as indústrias onde nós ganhamos dinheiro a vender-lhes coisas a eles. Basta olhar para as suas aquisições em Portugal ou para a Nova Rota da Seda. É imperialismo por outros meios. Mas se calhar é mais benévolo que o dos cowboys americanos.

Eu até nem me importo muito com o investimento chinês, excepto em áreas como a rede eléctrica nacional, sobretudo se a empresas estatais chinesas, como me importo com a privatização dos CTT ou da ANA (a investidores de outras paragens), porque ou são áreas de soberania ou monopólios naturais.

Já quanto à EDP, a CTG conservou a estrutura da empresa, os alemães se calhar já a teriam dividido, como bem notou António Costa.

Impérios vai haver sempre. O meu problema é que eles estejam sujeitos a um módico de Estado de Direito e de controle democrático, coisa que a China não está. A tradição monárquica chinesa é profundamente autocrática, mas a democratização de Taiwan dá-me alguma esperança para a própria China, se existir dentro do mandarinato que a governa quem perceba que uma sociedade que não é transparente não tem futuro (como a gestão inicial da pandemia mostrou). Mas esse seria um futuro em que o PC chinês deixasse de ser PC e passasse a ser outra coisa qualquer...

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