A Palavra É de Oiro
Hoje saí de casa armado de máscara até aos óculos a inspirar anidrido carbónico, ora pela boca, ora pelas narinas.
Tomei a bica do excelente lote de café que serve o Bossa Nova. Lá estava o Américo, o amável patrão e um empregado. Na amplidão dos espaços de fumadores, não fumadores e esplanada, apenas duas meses estavam ocupadas.
A minha mesa habitual estava livre. Não me sentei, faltava ali o amigo falecido durante a pandemia, vazio definitivo e amargo, e os outros ainda se resguardam, como devem. Não é cómodo dissertar sobre política, religião, história ou literatura com a boca tapada, refazer a tertúlia e salvarmos a Humanidade à conversa.
Parti imediatamente para o passeio que, em tempos remotos, a.C. (antes da Covid-19) e do confinamento, era hábito diário. E lá fui, no passo de quem tem uma tarefa a cumprir ou um recado a dar, a caminho da Av. Dias da Silva, caminhando pelo lado da sombra.
Nos passeios, as pessoas com máscara viravam a cara umas às outras e contornavam as árvores para se cruzarem ou saíam para a estrada. O temor do vírus acaba por afastar as pessoas.
O que me surpreendeu foi o encontro de pessoas que me habituei a cumprimentar com o tradicional bom-dia e a trocar palavras de circunstância ou mesmo a parar para um beijo ou aperto mão, conforme o género e os usos, reduzido agora a gestos de quem perdeu o hábito de falar. Só parei para comprar o jornal.
No percurso de 4,5 km, ida e volta, com palavras substituídas por gestos vim a refletir sobre a comédia em dois atos e um prólogo, de Augusto Abelaira, com o título que usei para este despretensioso texto.
Não senti o peso do contador das palavras, quando estas eram preciosas e um perigo que a ditadura punia, sendo de graça algumas, como ‘desilusão’, cito de memória, por ser o argumento burguês dos que desistiam de as usar contra o regime.
A rua pareceu-me o espaço concentracionário onde era ofegante a respiração e poluído o ar que respirava. Senti o ar puro, à chegada, ao entrar em casa já com a máscara na mão e a caminho do lixo.
Se perdermos as palavras, acabamos em silêncio, a abrir caminho para sermos silenciados.
Tomei a bica do excelente lote de café que serve o Bossa Nova. Lá estava o Américo, o amável patrão e um empregado. Na amplidão dos espaços de fumadores, não fumadores e esplanada, apenas duas meses estavam ocupadas.
A minha mesa habitual estava livre. Não me sentei, faltava ali o amigo falecido durante a pandemia, vazio definitivo e amargo, e os outros ainda se resguardam, como devem. Não é cómodo dissertar sobre política, religião, história ou literatura com a boca tapada, refazer a tertúlia e salvarmos a Humanidade à conversa.
Parti imediatamente para o passeio que, em tempos remotos, a.C. (antes da Covid-19) e do confinamento, era hábito diário. E lá fui, no passo de quem tem uma tarefa a cumprir ou um recado a dar, a caminho da Av. Dias da Silva, caminhando pelo lado da sombra.
Nos passeios, as pessoas com máscara viravam a cara umas às outras e contornavam as árvores para se cruzarem ou saíam para a estrada. O temor do vírus acaba por afastar as pessoas.
O que me surpreendeu foi o encontro de pessoas que me habituei a cumprimentar com o tradicional bom-dia e a trocar palavras de circunstância ou mesmo a parar para um beijo ou aperto mão, conforme o género e os usos, reduzido agora a gestos de quem perdeu o hábito de falar. Só parei para comprar o jornal.
No percurso de 4,5 km, ida e volta, com palavras substituídas por gestos vim a refletir sobre a comédia em dois atos e um prólogo, de Augusto Abelaira, com o título que usei para este despretensioso texto.
Não senti o peso do contador das palavras, quando estas eram preciosas e um perigo que a ditadura punia, sendo de graça algumas, como ‘desilusão’, cito de memória, por ser o argumento burguês dos que desistiam de as usar contra o regime.
A rua pareceu-me o espaço concentracionário onde era ofegante a respiração e poluído o ar que respirava. Senti o ar puro, à chegada, ao entrar em casa já com a máscara na mão e a caminho do lixo.
Se perdermos as palavras, acabamos em silêncio, a abrir caminho para sermos silenciados.
Comentários
Costumava passar aí entre as 10H30 e as 11H30 da manhã, sempre pelo lado da GNR para aproveitar a sombra.Tenho 77 anos, óculos e uma barba que, depois do confinamento, deixou de ser aparada semanalmente.