Eleições presidenciais – Carta aberta aos socialistas
Car@s socialistas
Sou um social-democrata sem vínculo partidário, desolado com
as intenções de voto no candidato Marcelo Rebelo de Sousa, por quem se diz de
esquerda e simpatizante do PS.
“Quem não se sente
não é filho de boa gente”. Recordo aos ingénuos que Marcelo é um candidato de
direita, que prescinde de campanha eleitoral porque apenas prolonga a que faz
há cinco anos, permitindo-se ofender-vos e humilhar-vos.
Esquecem-se da ameaça a Mário Centeno quando solicitou dois
lugares no camarote do presidente de um clube de futebol, para ele e filho, por
razões de segurança, no estádio onde tem camarote privativo? Foi vil a afronta
que o ora recandidato então lhe fez.
Mário Centeno não foi convidado de Ricardo Salgado para o
jantar preparativo de uma candidatura presidencial nem lhe aceitou férias no
Brasil. É um servidor público da mais elevada competência e probidade.
Constança Urbano, ministra da Administração Interna, quando
da tragédia dos fogos de Pedrógão, não merecia a sua crítica, cruel e gratuita,
que a levou à demissão para gáudio da direita e benefício da sua imagem de
narcisista impenitente.
O PS permitiu ao PR Marcelo brilhar onde não tinha
competência legal, protegeu-o nas erráticas deslocações ao estrangeiro, sendo a
diplomacia reserva exclusiva do Governo, e tolerou-lhe as reincidentes
intromissões na esfera da sua competência. A ida ao Brasil, à posse de
Bolsonaro, um imbecil que o despachou sem lhe ligar importância, mereceu-lhe a
desculpa de que ‘uma conversa entre irmãos não precisa de muito tempo’. Nem lhe
deu tempo para lhe falar dos ‘sobrinhos’, filhos e netos de Marcelo a viverem
no Brasil!
Como pode um simpatizante do PS, sem lhe tremer a mão,
desenhar uma cruz em quem crucifica o Governo de António Costa? Que este tenha
anunciado o voto em Marcelo foi a atitude de quem quis poupar o partido à
derrota, mas não é estímulo para votarem nele os eleitores de um partido
social-democrata*, nos bons momentos, com António Costa, e liberal, em outros.
Marcelo é um Cavaco de berço urbano, filho de um ministro da
ditadura fascista, não é o salazarista a cheirar a combustíveis e a bolçar
rancor. É inteligente, culto e simpático, o oposto do seu antecessor. Prefere a
intriga sibilina ao primarismo da verrina.
Caros simpatizantes do PS, nunca repararam que Marcelo
respeita a AR e os Tribunais e combate o Governo quando lhe é útil? Ignoram as
críticas ao SNS de quem votou contra a sua criação? Esqueceram António Arnaud e
os partidos que o votaram com o PS?
Marcelo, tão loquaz, calou-se quando um desembargador viu no
adultério feminino uma razão atenuante para os crimes de sequestro e bárbara
agressão pelos ex-companheiro e ex-marido, citando a Bíblia, com intolerável
misoginia.
Digerem a ofensa de convocar o diretor da PSP e pôr o
desastrado polícia a provocar o MAI, que Marcelo queria demitido, constrangendo-o
a não destituir o polícia?
Não veem o defensor da medicina privada a inquietar e
perseguir a dedicada ministra da Saúde, altamente qualificada e competente,
para agradar aos seus correligionários?
Car@s simpatizantes do PS, não sentem vergonha a votar em
quem, ainda PR, disse que o governo seu preferido seria do PSD/CDS,
naturalmente com o fascista, se necessário?
Deviam pelo menos refletir por que motivo preferia um
governo PSD/CDS e não apenas PSD. Marcelo, que não conseguiu ser PM ou
presidente da Câmara de Lisboa, sabe que só terá poder e influência com
governos que não tenham uma maioria coesa.
Car@s simpatizantes e militantes do PS, o vosso voto em Marcelo é uma leviandade de que vos arrependereis. Sois a água do Tejo onde ele mergulha, o táxi que o reconduz a Belém, o cheque em branco a quem vai ao beija-mão de todos os bispos e morde a do nosso PM e vosso secretário-geral. Não é por mal, é uma questão de carácter. A vossa ingenuidade é que é péssima, e ainda há tempo para reflexão.
* Os partidos sociais-democratas chamam-se socialistas em
Portugal, Espanha, França e Grécia, Trabalhistas no RU e outros países,
diferente da Alemanha e países do norte da Europa. Os simpatizantes deviam
conhecer o ideário social-democrata para não votarem no adversário de
direita.
Comentários
Um pulha, é um pulha, é um pulha.
E eu não voto em pulhas, pronto.
A isto acrescentam-se-lhe todos os defeitos que o Carlos Esperança aponta, a começar pela desgraçada tendência para a pequena intriga de bastidor (e de corredor, onde os jornalistas normalmente o abordam).
Votarei Ana Gomes, a quem reconheço qualidades, desde logo a coragem e a perspicácia de não ter ido com a cara de Sócrates desde o primeiro dia, e o terrível defeito de achar que está moralmente acima dos seus camaradas de Partido, a lembrar António José Seguro. Denunciar a corrupção é uma coisa, a outra é ter queda para o populismo. O PR não é um tribuno da plebe...
No entanto, parece-me que ela é a única capaz de mandar o nosso facho de serviço para um humilhante terceiro lugar. Sempre quero vê-lo a rabear e a justificar porque é que afinal não se demite ou se o faz, porque se recandidata logo a seguir...
Será a minha pequena homenagem aos eleitores de Esquerda Francesa que entre o corrupto Chirac e o ficarem em casa, foram votar com um dedo no nariz para mandar o velho Le Pen às cordas. Desgraçadamente, o senhor Mélenchon não se dignou fazer em 2017 o que fez em 2002, quando em causa estava a escolha entre o impoluto Macron e a descendente directa do facho francês...
Marisa Matias e João Ferreira, pessoas estimáveis que são, não contam. E depois convém não esquecer que se o candidato comunista é uma pessoa razoável e inteligente, o Partido de onde provém ainda é um Partido incapaz de se livrar das más companhias que são todas as ditaduras comunistas que ainda apoia.
O soberanismo e o anti-europeísmo do PCP são opções legítimas como quaisquer outras, muito embora os comunistas se recusem a dizer quais os sacrifícios que o País teria que fazer para recuperar essa soberania pura e dura (que nada tem a ver com poder, note-se).
O que não se aceita é que o PCP considere como democracias avançadas países como Cuba, a Venezuela, o Vietname ou a China. Se a soberania que nos oferecem é a exercida por uma ditadura de quadros, tragam-me já as grilhetas de Bruxelas...
No segundo mandato Marcelo vai transfigurar-se totalmente. Vai fazer os impossíveis para recauchutar o PSD/CDS, nem que para isso tenha que dar uma mãozinha ao Chega.
Aprecio o seu comentário. Bem escrito, coerente e justificativo da sua opção. Obrigado por valorizar este espaço que não é neutro, mas é pluralista e procura ser honesto.
Desejo-lhe um bom ano novo.
Valorizo este espaço (embora a qualidade dos meus comentários varie, este parece ser dos mais felizes) porque lhe reconheço a qualidade dos seus textos e a coerência das suas posições, muito embora estejamos muitas vezes em desacordo, nomeadamente em relação à atitude que não-crentes como nós devem ter em relação às religiões, e ao Islão em particular...
Desejo-lhe igualmente um bom ano novo.
Manuel Galvão,
Não sei qual será a atitude de Marcelo em relação ao segundo mandato. Não quererá ficar na História como um segundo Cavaco. Se a Direita voltar ao poder, vai querer terminar o projecto começado pela dupla Passos-Portas (talvez com o retorno do primeiro, que deseja a desforra depois de ter sido defenestrado sem cerimónias por Costa em 2015). Será que Marcelo quererá ser serventuário desse projecto? Tenho as minhas dúvidas...
E depois, prefiro um Marcelo a ganhar por 50 e tal por cento à primeira volta do que a dar um baile a Gomes na segunda. Ana Gomes não tem, parece-me, perfil para ser Presidente, falta-lhe grandeza.
Que saudades de Jorge Sampaio!!