Marcelo e a reescrita da História

Depois da lastimável declaração do PR, referindo como atentado o acidente que vitimou Sá Carneiro, pondo em causa a decisão dos Tribunais, decisão que sucessivas comissões de inquérito parlamentar, durante 30 anos, não conseguiram contrariar, e que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos validou, Marcelo, ao afirmar o crime, feriu o Estado, de que é a primeira figura, no ato de demagogia eleitoral, ética e politicamente inaceitável.

Percebeu-se que era uma afirmação eleitoralista antes do anúncio tardio que logo fez da recandidatura, tão tardio que impediu de ser confrontado com essa e outras declarações.

Marcelo é um democrata, a sua reeleição não assusta, mas não é o único democrata que se sujeita ao escrutínio popular e não é certamente o que ocupa a área social-democrata. É liberal na economia e conservador nos costumes, arredado da minha área política.

Se, quanto à defesa da democracia liberal, não me oferece preocupações, já foi vacinado pelo fim inglório e humilhante do regime em que foi educado, não me merece confiança igual na defesa de valores republicanos e laicos onde, reiteradamente se comporta como sacristão da igreja de Belém, ou na leitura imparcial da História do 25 de Abril, como se viu, há um ano, na tentativa de a subverter.   

Para que cada um possa fazer um voto de acordo com a sua consciência, relembro o que escrevi em 26 de novembro do ano Passado:

«Marcelo Nuno Duarte Rebelo de Sousa, Presidente da República Portuguesa, por força do voto popular, mais presidente do que republicano, está ansioso por voltar ao lugar de onde partiu, ao seio da direita portuguesa, sejam quais forem os caminhos a percorrer ou a Vichyssoise a servir à mesa dos sem-abrigo da política e dos esquecidos da História.

A propósito do 25 de novembro, Marcelo procurou aliciar Ramalho Eanes, o PR que o antecedeu no cargo disputado ao seu presumível preferido, gen. Soares Carneiro, para evocar a data que o próprio Eanes considerou dividir os portugueses, e que é uma velha tentativa do CDS, ora em pré-defunção, para a confiscar em seu proveito.

A tentativa de diminuir o 25 de Abril é uma velha aspiração da direita mais reacionária, como se Vasco Lourenço, Otelo e Vítor Alves, líderes da Revolução do 25 de Abril, não tivessem assumido a liderança de um movimento que se comprometeu a «Descolonizar, Democratizar e Desenvolver» o País e que o MFA cumpriu.

Ignoram que Salgueiro Maia esteve no Carmo; que Gertrudes da Silva foi de Viseu e se lhe juntarem os camaradas de Aveiro e da Figueira da Foz, que neutralizaram a Pide em Peniche, e marcharam sobre Lisboa; que Delgado Fonseca foi de Lamego para o Porto; que José Fontão e os seus 4 capitães prenderam Silvino Silvério Marques e Pedro Serrano, no Governo Militar de Lisboa, e realizaram as tarefas distribuídas; que Teófilo Bento tomou a RTP e a colocou ao serviço do MFA; que Costa Martins tomou sozinho o aeroporto de Lisboa e encerrou o espaço aéreo nacional; que Monteiro Valente fechou a fronteira de Vilar Formoso; que Garcia dos Santos foi o responsável das Transmissões no 25 De Abril e em igual dia de novembro; que houve o Conselho da Revolução; que o Grupo dos 9 que esteve no 25 de Abril e no 25 de novembro, tendo no terreno Ramalho Eanes com Jaime Neves, sob a liderança de Costa Gomes e do Governador Militar de Lisboa.

Perdoem-me os heroicos capitães de Abril que ora omito, e os 5 mil militares que foram os pais da democracia que nos legaram, como prometeram, e a que os deputados, saídos das eleições para a Assembleia Constituinte, se incumbiram de estabelecer os contornos.

Marcelo quer regressar ao sítio de onde partiu, ao ambiente do regime que lhe moldou a origem, à elite conservadora que não tolerou o ruído da Revolução e o medo que sentiu.

Entre o 28 de maio familiar e o 25 de Abril exógeno, quis ressuscitar o 25 de novembro, sem ouvir os militares que ainda estão vivos e o protagonizaram.

Depois de designar como irmão a Jair Bolsonaro e de outorgar o mais elevado grau da Ordem da Liberdade a Cavaco Silva, quis subverter a História e confiscar para os seus a data que os autores consideram detalhe no papel heroico que assumiram no 25 de Abril.

Viva o 25 de Abril! Sempre! (26-11-2019)»

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