O coronavírus e a informação
O coronavírus, além da tragédia global que provocou e continuará a acentuar, tornou-se o indutor do ensandecimento coletivo, particularmente a nível informativo.
Todos recordamos a ansiedade com que os média procuraram o
anónimo português que trabalhava num navio, algures na costa do Japão, e cuja
quarentena impediu que as TVs o exibissem como troféu do primeiro infetado
nacional. Era um motivo de vergonha do país, que não podia ombrear com outros
onde a infeção chegou primeiro. Nem um caso!
O orgulho nacional só se recompôs com os primeiros casos
relados de forma épica e que diariamente eram gritados com sucessivas marcas
onde a Madeira permanecia a nódoa que não apresentava um só caso de infeção,
primeiro, e de qualquer morte depois.
Passaram a ser servidos, todas as horas, os números de infetados,
hospitalizados, mortos e recuperados do dia anterior, em épica euforia, como se
a epopeia da desgraça fosse um desígnio e a pressão sobre os serviços de saúde
devesse colapsá-los.
Com o rali de infetados ainda em pista, já começou de forma grandiloquente
a maratona das vacinas. O Jornal da Tarde, RTP-1, estava eufórico a debitar
banalidades, depois de 30 minutos, altura em que terminei o almoço, dispensando
a fruta, para premir o botão do comando, sob ameaça, a correr em rodapé, da
entrevista ao primeiro vacinado, logo a seguir ao Jornal da Tarde.
Talvez seja defeito meu, mas penso que a covid-19, no seu
tropismo letal para velhos, é espoliador dos mediadores químicos das sinapses neuronais
dos jornalistas que cobrem a pandemia, e, no curto-circuito dos neurónios,
apaga-se a luz do bom-senso.
Começo a duvidar se sou eu, cuja idade me embotou o juízo e
a paciência, ou se são os jornalistas televisivos que perderam a noção da quantidade
de ração que um estômago é capaz de digerir de uma monótona ementa noticiosa.
Só me pouparam ao recandidato Marcelo na primeira meia hora,
um facto inédito que é relevante pela insólita ausência.
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