A menina do cartaz, o PR e a eutanásia

Há quatro anos, Vera Guedes de Sousa era aluna de Medicina e tornou-se conhecida por segurar o cartaz de onde exonerou a inteligência e apelou ao medo. Já deve ser médica, mas continuará uma medíocre cidadã e excelente rata de sacristia.

Quando um assunto tão sério, em que se trata da morte, serve apenas para assustar os incautos, como outrora se aterrorizavam os crentes com as labaredas do Inferno, não estamos no domínio do racional, entramos no terrorismo psicológico.

É tão legítimo defender uma posição como a sua contrária, embora, no que diz respeito à eutanásia, se confronte um direito individual, que não obriga quem quer que seja, com o desejo de quem impõe a todos a sua própria convicção.

No primeiro chumbo legislativo, pesaram mais os cálculos eleitorais do PSD e guerras internas do então maior partido parlamentar, do que as convicções individuais, mas não extinguiu o problema nem tornou irreversível a situação que persiste.

Raras matérias são tão transversais a todo o espetro político e tão diversas as posições dentro de cada partido, mas pode dizer-se que a eutanásia foi amplamente discutida nos órgãos de comunicação social, nas missas e na sociedade.

Os que negam o direito que, repito, não é obrigação, hão de sempre dizer que o assunto não foi suficientemente discutido ou ponderado, e confundir o direito à vida com a proibição de decidir a morte quando a vida se torna de todo insuportável.

Há sempre uma Vera, uma Isabel, um Nuno ou um Aníbal à espera de fazerem prova de vida e de intolerância, mas a sociedade, cujos costumes evoluem, deixará os moços de recados a falar sozinhos enquanto os legisladores acautelam abusos e aceitam os direitos de quem chegou ao desespero de escolher “antes a morte do que tal sorte”.

Há quatro anos, na missa do Corpo de Deus, o Dr. Manuel Clemente, bispo de Lisboa, por profissão, disse que “só podemos rejeitar o aborto e a eutanásia e tudo quanto a tal possa levar”. Foi coerente com a afirmação feita nas penúltimas eleições legislativas, que os eleitores só tinham dois partidos com programas de acordo com as leis da Igreja católica, o CDS e o partido fascista. O primeiro quis o eleitorado expulsá-lo da AR.

É-me indiferente o que cada religião decide para os seus crentes, e não posso deixar de me interessar pelos reflexos decorrentes na arquitetura legal do meu país.

O que não se pode aceitar é que o PR, autointitulado Chefe de Estado, entre na luta com os seus preconceitos confessionais, numa República laica, e se transforme em sacristão. Ao enviar a ponderada decisão da AR para o Tribunal Constitucional, limitou-se a adiar, pela terceira vez, a solução para a ansiedade de quem espera a promulgação.

Marcelo Rebelo de Sousa, que tantas mulheres prejudicou com o protelamento da lei da IVG, é agora o obstáculo a uma lei que a Espanha, Itália e Irlanda já aprovaram e que alguns portugueses aguardam com aflição. Este PR não ficará na História pela grandeza, há de acabar como Cavaco, desprezado pelos portugueses, a viver a balões de oxigénio pelas câmaras de ressonância em que se transformaram os media. Mingua-lhe o respeito pelos direitos individuais e sobra-lhe a subserviência ao clero.

A reincidência no adiamento, enviando a lei da eutanásia para o TC, não traduz dúvidas sobre a sua constitucionalidade, é a habitual manobra de impedir a sua entrada em vigor.

Não se estranha a reincidência dilatória de quem aceitou ser Presidente do Conselho de Administração da Fundação da Casa de Bragança, e se aliou às respetivas manifestações monárquicas, e se candidatou à Presidência da República.

Está de acordo com quem foi em excursão pia ao funeral de Ratzinger e, na falta de um convite, afirmou “se eu fosse cidadão não teria ido [sic], mas sou chefe de Estado. Foi dos poucos, mas o passeio desvaneceu-o.

Ser cidadão significa não admitir ser súbdito.


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