Feliz Ano Novo_2024 (crónica)
Sob os escombros do ano que ora findou jazem os votos que formulámos no início. Onde se encontram a almejada paz, o amor jurado, a fraternidade anunciada? Pelo contrário, irromperam das trevas da intolerância fundamentalismos torpes e ódios obscenos.
Por todo o mundo lambem-se feridas de catástrofes naturais e
conflitos provocados. A explosão demográfica, a pobreza e a guerra deram as
mãos à intolerância e à vingança. O racismo e a xenofobia atingiram proporções
dementes que terminaram na orgia de sangue em que os homens se atolaram. Foram
frágeis os desejos e efémeras as expectativas.
Ano Novo, vida nova. Estes são os votos canónicos que
fastidiosamente repetimos no dealbar de cada ano. E suplica-se que o Ano Novo
seja o paradigma dos nossos sonhos e não a consequência dos nossos atos ou o
fruto de circunstâncias que nos escapam.
Após doze badaladas e outras tantas passas, o champanhe e os
abraços, por entre beijos húmidos e corpos que se fundem numa sofreguidão de
amor, com o brilho das luzes e o som da música, recomeça novo ano com votos
repetidos de ser diferente e ser melhor.
Os anos nascem ruidosamente e vivem-se em silêncio. Começam
com ilusões e acabam em pesadelo.
Há em cada um de nós uma força que nos impele para a
mudança, que nos dá ânimo para desbravar novos caminhos e assumir novos riscos
enquanto o conservadorismo e o medo do desconhecido nos tolhem os passos, nos
intimidam e levam a recusar a novidade.
Eu acredito que no coração dos homens mora um genuíno desejo
de paz. Os mísseis que cruzam os ares, as bombas que perfuram o solo ou os
efeitos colaterais da artilharia que errou o alvo e destruiu povoações inteiras
não são mais que um pesadelo passageiro.
O futuro constrói-se. A felicidade é um estado de alma que
devemos procurar e a alegria o caminho a seguir.
É em cada um de nós, na aceitação da diversidade, na
tolerância, na solidariedade, que podemos começar um mundo mais justo, fraterno
e pacífico para o qual julgávamos bastarem os desejos formulados de olhos
fechados na última noite de dezembro.
Que o delírio do amor e a embriaguez do sonho se mantenham
vivos durante o ano que ora começa. E que, por entre nuvens que pairam
carregadas de incerteza, resplandeça o sol da esperança e a nossa vida decorra
tranquila.
Jornal do Fundão, 28-12-2006; Ponte Europa (Editora Âncora, Pg. 23/24 – 1.ª e 2.ª edição)
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