Ética na Publicidade

Por Onofre Varela

Em 1974 saí de uma litografia, onde era desenhador maquetista (Designer, como passou a ser bonito dizer-se), para ser criativo gráfico numa agência de publicidade. Era o concretizar de uma vontade que me acompanhava desde 1968 quando regressei da Guerra Colonial e não consegui emprego na área. Ao tempo, no Porto, as agências de publicidade eram poucas, e só meia dúzia de anos depois pude concretizar o sonho profissional numa agência com sede em Lisboa (a CM-Sistema), que abriu uma sucursal no Porto. 

A experiência que vou contar, já a contei há alguns anos num programa de televisão no Porto Canal, para o qual fui convidado na qualidade de ateu (se acaso ser ateu configura alguma qualidade!...), tendo por companheiros de painel três religiosos de vários credos. Reparei que o companheiro sacerdote católico arregalou os olhos de espanto por ver um ateu a falar de ética (!)… e eu também me espantei por me aperceber da existência de quem possa pensar que a ética não habita a consciência de um ateu!

A CM-Sistema quando tinha trabalho a mais para o número de criativos que havia no ateliê da sede, convocava-me para engrossar a equipa, e por isso passei grandes temporadas em Lisboa. Foi assim que um dia participei numa campanha publicitária que concretizamos para concorrermos a um concurso público da criação de imagens e frases para a PRP (Prevenção Rodoviária Portuguesa) e coube-me a criação de uma ideia para um cartaz que tinha a missão de alertar os automobilistas para a proximidade de uma escola

Desenhei uma criança com mochila a atravessar uma passadeira de peões, sendo que o desenho era resolvido sem cor. Apenas preto com gama de cinzentos (como se fosse uma foto a preto e branco). O único toque de cor era um sinal de stop em tamanho grande, ligeiramente acima do centro do cartaz (o local de melhor visibilidade)que substituía a cabeça da criança. Apresentei o estudo feito a guache ao chefe de ateliê, e dele ouvi de imediato: “Não serve”. 

Admirei-me com aquela negativa tão peremptória e perguntei porquê. Ele explicou: “Quando substituis a cabeça de alguém por uma coisa, estás a coisificar um ser humano. Os seres humanos não são coisificáveis… têm de ser tratados com a dignidade devida ao Homem”! Foi a primeira lição de ética que recebi em publicidade, a qual retive e sempre considerei no decorrer da carreira.

Agora vem o contrário disto, que aconteceu há cerca de uma trintena de anos. Num MUPI (Mobiliário Urbano Para Informação) de uma paragem de autocarros no centro do Porto, vi um cartaz, também trabalhado a preto e branco, mostrando uma foto do modelo de um automóvel com a frase forte daquela campanha publicitária: “Na Vida Há Prioridades. Primeiro Eu, e depois… Eu!”.

Senti-me enojado. Aquele apelo era dirigido ao pior sentimento de nós. Ao sentimento da hipotética superioridade e importância próprias, subestimando todos os semelhantes. Aliás, para quem escolhesse aquele carro nem havia semelhantes… só havia inferiores! Não decorei a marca nem modelo do automóvel publicitado porque aquilo era repelente.

Mas o criativo daquela mensagem soube muito bem o que fez!… Ela não era dirigida a mim… destinava-se aos “Yuppies” (Jovens Profissionais Urbanos), entre os quais há animais sem ética nem pingo de vergonha. Fazem de tudo para treparem aos postos mais altos das empresas atropelando tudo e todos na sua corrida à ascensão do poder.

Fico a pensar se a Ética, enquanto filosofia comportamental, também muda de acordo com os tempos… parece que sim!… Pelo exemplo dado, afigura-se-me mudar para pior, contrariando o progresso da nossa evolução… ou sublinhando-o?!

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

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