Resposta a 4 perguntas do mensário Praça Alta (Almeida)

1 - Onde se encontrava no dia 25 de Abril de 1974, e como recebeu a notícia da Revolução dos Cravos?  (Com esta pergunta visamos captar não apenas o ambiente popular onde o Sr. Carlos Esperança se encontrava, mas também as suas primeiras impressões e reações à revolução.)

R. - No dia 25 de Abril acordei a ouvir um comunicado que se tornaria histórico, “aqui posto de comando…”, e parti de Coimbra para a vila do Luso de onde segui para Penacova na atividade diária de delegado de propaganda médica ao serviço da multinacional farmacêutica onde trabalhei. Quando deduzi que o golpe militar era contra a ditadura, ao fim da tarde, louco de alegria, dirigi-me a Lisboa, onde mantinha o apartamento, e onde regressava às sextas-feiras para as reuniões da base da CDE de que era militante.

Antes de ir a casa dirigi-me à Cooperativa Esteiros, cooperativa livreira, na R. Braamcamp, que era a face legal do MDP/CDE. Fui manifestar a vontade de me integrar num quartel que aceitasse ex-militares. Como não havia, nos dias que se seguiram passei o tempo entre a Cooperativa e os escritórios da Empresa, onde a agitação dos dias seguintes impediu qualquer trabalho. Vivi intensamente o 25 de Abril, na libertação da escola da PIDE em Sete Rios, nas manifestações permanentes e no 1.º de maio, um momento épico e irrepetível da vida, dentro do estádio que tomaria o nome desse dia.

2 - Em Almeida, após a revolução, o que sentiu nos nossos conterrâneos? Há alguma memória particular que gostaria de partilhar? (Alguns detalhes sobre os sentimentos pessoais dos almeidenses, sejam eles de alegria, confusão, esperança ou qualquer outra emoção que o 25 de Abril e os dias que se seguiram lhes tenham suscitado).

R. - Não me recordo da data do regresso a Almeida, mas há de ter coincidido com férias porque estive em várias sessões de esclarecimento ladeado pelos Drs. Mário Canotilho e João Gomes onde o lugar central me era conferido, como representante do MDP/CDE, por essas duas grandes figuras do distrito da Guarda, do PCP e do PS, respetivamente.

O momento alto desse período, em que participei em sessões de esclarecimento por diversas localidades do concelho, foi o comício em que foi decidido destituir o presidente da Câmara e vereadores do regime fascista. Na mesa ad hoc do comício tive como acompanhantes o padre Francisco Vilar e o capitão Barroco, com o cap. Monteiro Valente do MFA na assistência por não querer integrar a mesa.

Foi nesse comício que foram aplaudidas a demissão do executivo camarário, do Dr. Crisóstomo e dos vereadores do regime derrubado, e a indigitação dos que viriam a integrar a Comissão Administrativa democrática.

Aqui senti que a população da vila, ao contrário da de algumas aldeias, estava ansiosa pela mudança e recetiva à democracia que, de forma exemplar, pautou as instituições nos últimos cinquenta anos.

 

3 - De que forma a Revolução dos Cravos influenciou a sua vida e a comunidade almeidense? (Procuramos saber o impacto pessoal e comunitário da revolução, com as subsequentes mudanças políticas, sociais, culturais e económicas após os primeiros meses da revolução.)

R. - A minha vida resultou do 25 de Abril. Pude casar sem medo de que a PIDE me prendesse e viver meio século em liberdade. Nunca imaginei ter filhos em ditadura e hoje sinto que devo a mulher que tenho, e os filhos e netos que vieram, à democracia.

Quanto ao impacto comunitário da Revolução, penso que teve coisas boas e más. Quanto às boas, gerou instituições democráticas na vida autárquica do concelho e a nível nacional; na educação, substituiu a 4.ª classe por 11 ou 12 anos de escolaridade; na saúde, no saneamento, nas condições de vida houve progressos inimagináveis. As más resultam das boas: progressivo despovoamento e abandono de aldeias e das próprias vilas numa hemorragia que leva as pessoas para as cidades e esvazia o concelho; o envelhecimento da população e o sentimento de desânimo comum a todos os concelhos rurais.

 

4 - 50 anos depois, qual é a sua perspetiva sobre o legado do 25 de Abril e como observa o futuro de Portugal?

R. - Hoje tenho uma visão pessimista do mundo, mas como europeísta convicto, ao contrário dos nacionalistas, confio que é na Europa, que desejo cada vez mais integrada económica, social e politicamente, que surgirão os caminhos do futuro, se os nacionalismos e a deriva belicista não trouxerem de novo os demónios de há um século para precipitar o fim de tudo e de todos.

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