A guerra civil espanhola ainda não terminou
Ainda não houve
coragem para julgar o regime do grotesco líder Francisco Franco, um dos maiores
genocidas do século passado. É ocioso referir a crueldade e a violência com que
os defensores da República, sufragada pelo voto popular, retaliaram a horda
fascista abençoada pelo Papa e acolitada pelas sotainas, com a designação de cruzada.
A Espanha que
derrubou Azaña, notável escritor, jornalista e político, várias vezes chefe do
Governo e presidente da 2.ª República, é o País dos Reis Católicos, o espaço
europeu onde, sem ter havido Reforma, a Contra-Reforma atingiu o apogeu da desumanidade.
A guerra civil de Espanha (1936/39) foi o laboratório do fascismo e o franquismo fez aos
adversários o que a Inquisição havia feito aos judeus, hereges e bruxas.
Azaña, exilado,
perseguido e humilhado, em França, pelos esbirros de Franco, pouco tempo
resistiu ao início do golpe que derrubaria o regime democrático, à semelhança
do que, 35 anos depois, aconteceria, no Chile, a Allende, com sacrifício da
vida. Franco foi o Pinochet precoce que testou o fascismo. Finda a Grande Guerra,
de 1939/45, apesar da promessa inglesa de erradicar todas as ditaduras
europeias, tornou-se ditador vitalício até que a doença o abateu, bem
confessado, comungado e ungido.
As valas comuns,
onde centenas de milhares de cadáveres aguardam exumação, tiveram como efeito
colateral a demissão do corajoso juiz Baltasar Garzón, perante o júbilo dos
nostálgicos do fascismo e dos magistrados educados nas madraças franquistas.
Mas a guerra civil,
que dilacerou Espanha e provocou uma orgia de sangue entre os dois lados da
barricada, está longe de terminar. Apesar das canonizações que os dois últimos
pontífices distribuíram entre os franquistas, incluindo Escrivá de Balaguer,
não há água benta que sirva de lixívia às nódoas de sangue da ditadura
clerical-fascista de Franco.
Após a vitória dos
sediciosos fascistas, os fuzilamentos dos adversários prolongaram-se durante
vários anos, perante o silêncio e a conivência do clero espanhol e a
indiferença dos Aliados que deixaram a Península Ibérica entregue aos seus
ditadores.
Se julgámos que
todos os horrores já eram conhecidos, apareceram arrepiantes provas de bebés
roubados ao longo dos anos do franquismo. Durante décadas, milhares
de crianças foram afastadas das mães, após o parto, e entregues como filhos
biológicos a outras famílias. Começou como repressão política, logo após a
Guerra Civil, e converteu-se num negócio organizado por médicos,
padres e freiras, que se prolongou já na democracia e que só agora começa a ser
investigado.
«Segundo a Associação de Afetados por Adoções Irregulares
(ANADIR), podem
ter sido roubadas cerca de 300 mil crianças, em Espanha, entre as décadas de 50
e 90, e muitas delas nunca suspeitarão da sua verdadeira identidade
biológica. A associação diz ter dados que permitem calcular que, em 2 milhões
de adoções realizadas nessas décadas, 15 por cento basearam-se em certidões de
nascimento falsas. Agora, as probabilidades de mães e filhos se encontrarem
dependem, em grande parte, dos seus dados de ADN coincidirem».
Ponte Europa / Sorumbático
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