MPLA: verdades escondidas, novos sinais, meros indícios …


A sucessão de José Eduardo dos Santos teve este fim-de-semana o epílogo final. A partir de agora – passado mais de 1 ano sobre a sua eleição - João Lourenço reúne todas as condições e prerrogativas para governar.
Várias perspetivas abrem-se perante este mandato. Desde uma ‘evolução na continuidade’ (necessariamente com outros interpretes) a uma rotura radical com as práticas abusivas do longo ‘consulado de ZEdu’ existe um amplo espaço disponível.

Na posse, como 5º. Presidente do MPLA, João Lourenço, introduziu a primeira ‘novidade’ – no sentido de repor parte da verdade histórica sobre a luta pela independência de Angola  - não se coibiu referenciar explicitamente o seu antecessor como é protocolar nestes actos. Mas a peculiaridade do momento está no aproveitar o ensejo para referir os ex-presidentes do MPLA, Ilídio Machado e Mário Pinto de Andrade, para além dos (tradicionais e obrigatórios) encómios ao histórico Agostinho Neto que foi o primeiro Presidente da República.

Ilídio Machado foi um dos fundadores e o predecessor de Agostinho Neto na direcção do MPLA mas raramente o seu nome é referido na retórica independentista oficial angolana. Trata-se de um lutador pela emancipação dos povos, militante do Partido Comunista de Angola (PCA), onde desenvolveu também uma importante atividade de liderança revolucionária de um outro combatente anticolonialista - Viriato da Cruz. Ainda hoje paira a incerteza se foi Ilídio Machado o proponente da entrega da liderança do MPLA a Agostinho Neto.

O PCA que na histografia oficial pós-independência angolana só muito raramente é mencionado ressurgiu – embora que indiretamente através da citação de Ilídio Machado - no ultimo congresso do MPLA.
De facto o PCA, organizado em 1955, teve uma existência (autónoma) muito efémera (1 a 2 anos) e estritamente clandestina tendo os seus membros – devido às condições objectivas de organização e de difusão e uma feroz repressão – optaram por integrar (fundar e dirigir) movimentos mais amplos e unitários – sem imposição de uma chancela marxista difícil de fazer passar no contexto político e social de Angola (Luanda) - e tinham como objectivo comum unitário e agregador a libertação de Angola do colonialismo português, como por exemplo, foi o Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola, histórico antecessor do MPLA.

O desejo integrador e a necessidade de projetar, quer internamente, quer internacionalmente, a luta anticolonial nas ex-colónias portuguesas levou à proliferação de múltiplos movimentos e diversificadas organizações onde os membros oriundos do PCA se integraram e diluíram, juntando-se ao denominador comum, unitário e integrador, da descolonização.

Um exemplo desta atitude organizada, ampla e agregadora foi o denominado ‘Movimento Anticolonialista’ (MAC) onde foi possível agregar personalidades oriundas de diferentes colónias como: Amílcar Cabral, Marcelino dos Santos, Mário Andrade, Viriato da Cruz, etc. e que hoje são referências ideológicas (e culturais) incontornáveis da luta anticolonial do pós II Guerra Mundial.

Com a queda do muro de Berlim e a implosão da URSS o dito ‘socialismo africano’ em que a especificidade de uma sociedade africana cuja divisão classista era (e ainda perdurará em certos contextos) muito complexa, com uma hierarquia muito específica, teve como um dos seus grandes expoentes o líder ganês Nkrumah, obreiro do chamado pan-africanismo. Os dirigentes independentistas africanos julgavam que o socialismo seria a única via para o desenvolvimento para este Continente. Esta conceção sofreu um sério revés em termos de apoio material (logístico e militar) e, a partir do início da década de 90, no que diz respeito a Angola depois do 3º. Congresso do MPLA, novas opções geopolíticas tiveram importantes reflexos no rumo dos novos países africanos.

Em Angola, o MPLA, ainda exibia sequelas do mortífero ‘incidente fraccionista’ ocorrido em 1977 que colocou em confronto Nito Alves e Agostinho Neto. Muito embora o partido tenha adotado nos anos 80 a sigla MPLA-PT (Partido do Trabalho) e a opção por uma via socialista, é fácil de concluir que o desmembramento da URSS foi a alavanca para, durante a década de 90, determinar importantes alterações na caminhada ideológica do MPLA.
Esta ‘mutação’ coincide com (ou está na génese de) um largo período de guerra civil, intimamente ligado a problemas remanescentes (não resolvidos) oriundos da época de independência que não cabem neste comentário mas foram determinantes na evolução política angolana.

Em 1991 o MPLA abandonou a via socialista (mesmo a de matriz africana) e entrou num variegado e heterogéneo clube de partidos liberais, alguns de fachada social-democrática, com a adoção de um sistema capitalista baseado na economia de mercado, sob a presidência de José Eduardo dos Santos.
Esta viragem nunca foi explicada ao povo angolano embora esteja no cerne da atual situação do País onde uma oligarquia africana muito restrita enriqueceu desmesuradamente em contraste com o exponencial empobrecimento do povo, a prossecução de uma longa guerra civil e o subdesenvolvimento.
Terá servido para entrar nos tempos da globalização e aplacar a desconfiança do club dos produtores de petróleo. Desde 1987 que o Governo de Luanda vinha a negociar com os EUA a entrada na OPEP sendo este facto um dos fatores decisivos para as futuras mudanças ideológicas no MPLA e por arrastamento no Governo angolano.

Concomitantemente, verificou-se uma inculcação da ‘História de Libertação’ que pouco ou nada referia antes, ou para além, do incontornável Agostinho Neto.
Durante muito tempo quer Ilídio Machado quer Mário Pinto de Andrade foram excluídos da história do MPLA, nomeadamente a partir do 3º. Congresso MPLA, onde se verificou o início do processo de abandono da via socialista.

Mário Pinto de Andrade foi um eminente divulgador da cultura negra, ideólogo do pan-africanismo, lutador convicto pela independência de Angola, alto quadro do MPLA e mais tarde um dissidente face à deriva ideológica do Movimento criando a fação 'Revolta Ativa'. Depois da independência é perseguido na sua pátria e inicia um longo exílio fazendo um vasto périplo pelo Mundo (Guiné-Bissau, Portugal, França, Moçambique, Inglaterra, etc.). A sua principal marca foi a da cultura da negritude e divulgação de África ao Mundo.

Ilídio Machado exerceu funções nos CTT Angola e, simultaneamente, exercia a sua atividade cívica como dirigente da Liga Nacional Africana onde alguma burguesia urbana (lúmpen-burguesia) nacionalista se reunia e cultivava uma consciência anti-colonial. É um dos fundadores e dirigente do Partido Comunista de Angola (PCA), cuja figura central seria Viriato da Cruz, e desde logo um empenhado e destacado militante do processo de libertação colonial. Por razões conjunturais já explicitadas, viria a ser um dos fundadores e dirigentes uma organização unitária e agregadora o Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola (PLUAA) onde o PCA se integrou e viria a ser o embrião do MPLA, movimento que dirigiu na sua fase mais inicial.
A formação marxista e a militância comunista de Ilídio Machado acarretaram-lhe sérios entraves e dissabores, já que os comunistas angolanos foram acusados pelos pidescos esbirros colonialistas de estarem enfeudados ao PCP e, portanto, manterem uma ligação umbilical à Metrópole colonizante (uma espécie de neocolonialismo). Triste maneira de interpretar o internacionalismo que foi um dos vectores de solidariedade do movimento comunista.
Seria um dos visados e vítima do ‘processo dos 50’ urdido pela PIDE sobre os angolanos anticolonialistas na sequência das eleições que puseram em confronto Américo Tomás e Humberto Delgado, em 1958.

Concluindo: A referência de João Lourenço, na recente tomada de posse como presidente do MPLA, a Ilídio Machado e Mário Pinto de Andrade como ex-presidentes do MPLA é significativa para a historiografia angolana porque significa a pacifica intenção de proceder uma rectificação evolutiva do movimento anticolonial regressando à verdade histórica e não renegando as verdadeiras origens e raízes do Movimento libertador de Angola. Aqui existe um profundo e radical corte com a longa presidência de José Eduardo dos Santos que, durante muitos anos (a partir da década de 90) construiu uma visão truncada e deformada de uma luta, recheada de sobressaltos, mas digna e libertadora.

Finalmente, como todos sabemos, a magistratura presidencial angolana e a política governamental não se esgotam no combate à corrupção, à impunidade, ao nepotismo e à bajulação.
Há outros pormenores que apesar de discretos são relevantes. Um desses pormenores será que José Eduardo dos Santos é engenheiro de petróleos e João Lourenço mestre em História...

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