Lei de Bases do SNS: PSD e a relapsa cantilena privatizante…

O PSD veio a terreiro com o seu plano para salvar o SNS. Trata-se de um hipotético 2º. gesto salvífico para o SNS oriundo do PSD o que, para um partido que votou contra a sua criação, é deveras impressionante.

O primeiro ato redentor foi desvendado por Passos Coelho em Dezembro 2014 anunciando os ‘milagres’ que teria operado na sustentabilidade financeira que estão por detrás das presentes dificuldades link.  Toda a ação do governo de Passos Coelho era transmitida como um miraculoso resgate de uma próxima e provável falência. Foi também esta cantilena que foi debitada à volta do resgate como se a crise financeira tivesse sido provocada pelos portugueses.
Agora pela mão de Luís Filipe Pereira, ex-ministro da Saúde de Barroso e Santana Lopes e o criador dos Hospitais SA, surge uma nova e contundente proposta: mais PPP’s link. Ao fim e ao cabo em relação ao que conhecemos do proponente, mais do mesmo.
 
O plano que o atual coordenador da área da Saúde no PSD de Rui Rio veio apresentar fica pela rama porque, na verdade, esconde o essencial. E o essencial deixou de ser possível de dissimular, já que se trata, sem tirar nem pôr, da paulatina privatização do SNS. Isto é, a transformação de um serviço social, estruturante e orgânico num mero negócio sob a cândida imagem de ‘contratualizações’.

As veleidades liberalizantes sobre o SNS vêm de longe e têm sempre a marca da Direita. Começam efetivamente com Arlindo de Carvalho (durante os XI e XII Governos Constitucionais presididos por Cavaco Silva), ganham velocidade de cruzeiro com as PPP’s e os Hospitais SA o Governo de Durão Barroso através do ministro Luís Filipe Pereira (o atual coordenador da área da saúde no PSD) e, é conveniente não esquecer, são absorvidas pelo PS através das políticas desenhadas pelo ministro Correia de Campos (XVII Governo Constitucional presidido por José Sócrates) que tentou mitigar (iludir) a senda privatizante através de uma operação de cosmética financeira e orçamental transformando os famigerados Hospitais SA em Hospitais EPE.

Mais à frente o programa do PSD definido por Passos Coelho e que haveria de orientar a política de saúde tentou - felizmente sem êxito - avançar com uma privatização basilar, isto é, pelo cuidados de saúde primários, avançando com a proposta de abrir a gestão dos centros de saúde a cooperativas de profissionais, entidades privadas ou sociais. Paralelamente, propunha esvaziar a componente hospitalar com a promoção de policlínicas de proximidade, sempre invocando nobres propósitos de melhorar a acessibilidade dos utentes e uma almejada (mas nunca conseguida) cobertura nacional.

O PSD nunca chegou a definir com rigor que tipo de entidades intermédias (entre os Centros de Saúde e os Hospitais) a que designou de ‘policlínicas’ mas não será difícil adivinhar que estas seriam estruturas a serem tomadas, erguidas e geridas por investidores privados. Por outro lado, Paulo Macedo um exímio gestor de interesses e dinheiros públicos apareceu como a personagem – mesmo sem saber nada de saúde -  capaz de concretizar a política de saúde do PSD, fez o que a Direita sempre sonhou e queria: estrangular financeiramente o SNS.

Óbvio que o subfinanciamento do SNS não começa com a tríade Passos Coelho/Paulo Macedo/Vítor Gaspar. O subfinanciamento é crónico, diria mesmo congénito e foi sustentado pelo chamado ‘arco da governação’ ao longo de muito tempo. Esse modelo de asfixia do SNS além de prejudicar a dimensão orgânica, o investimento, a inovação, a operacionalidade e a capacidade de resposta do SNS veio dar argumentos à Direita que tentou – num golpe de oportunismo – apresentar-se como salvadora da ‘falência técnica’ do SNS (que os sucessivos subfinanciamentos atolaram em dívidas).
Durante o governo do PSD/CDS os profundos cortes no SNS agravaram a sustentabilidade do SNS embora não tenham tido reflexos imediatos, nomeadamente, no domínio da qualidade da resposta e nas acessibilidades em grande medida pelo esforço e dedicação dos recursos humanos que aí trabalham. Foi possível transmitir a falsa impressão de que o barco iria aguentar a tempestade que a austeridade estava a gerar. Mas não é possível esticar a corda ad infinitum sem riscos de rutura.
A crise instalada veio a revelar-se depois, isto é, durante o atual Governo PS.

As presentes insuficiências e a atual decadência poderiam ter sido evitadas se desde 2016 até ao presente tivesse existido realismo, capacidade de previsão e investimento público neste sector. Não era preciso muito: bastava que o PS relesse as críticas que dirigiu ao Governo da troika e pusesse em prática as soluções preconizadas por aqueles que sempre defenderam o SNS.

A proposta do PSD para a Lei de Bases da Saúde pretende ladear todas estas questões históricas e financeiras e, por outro lado, está apostada no ‘limpar dos tratos de polé’ a que submeteu o SNS dentro da lógica neoliberal de ‘menos Estado, melhor Estado’.

Apostar na gestão privada das unidades operacionais (sejam hospitais, centros de saúde ou de cuidados continuados) e reservar para o Estado o papel financiador e regulador é mais um embuste da Direita para perverter definitivamente o SNS e transformar a Saúde num negócio. Aliás, o critério de oportunidade muito da afeição da Direita é notório. Hoje, é praticamente consensual que o investimento (orçamental e em recursos humanos) no SNS é imperativo. O próximo Orçamento de Estado (2019) não poderá de deixar de contemplar esta imperiosa necessidade. Tal facto é suficiente para que os interesses privados – através de PPP’s – queiram sentar-se à mesa do orçamento e locupletar-se com os dinheiros e investimento públicos.

A falsa premissa de que a gestão privada das unidades do SNS é (ou seria) mais eficiente do que a pública e a reserva para o domínio público de um papel de financiador e regulador mostra, desde logo, com quem estamos a lidar. O coordenador e relator da proposta do PSD para a revisão da Lei de Bases da Saúde parte de um pressuposto que é falso e a partir daí toda a fundamentação torna-se vazia. Esperemos que de vazia passe a inglória.

Não será verdade que a gestão privada seja melhor ou mais eficiente do que a pública. E já que a Direita reserva para o Estado uma função reguladora deveria ter tomado em consideração o estudo da Entidade Reguladora da Saúde onde se conclui que “hospitais em PPP têm desempenho igual aos do público” link. Não o fez porque uma vez conquistada a gestão privada está disposta a ignorar qualquer tipo de regulação.
A regulação pública, estatal é nesta proposta um enfeite. Qualquer decisão ou reparo das entidades reguladoras serão contestadas e posteriormente apreciado por comissões arbitrais onde os interesses privados e empresariais pontificam. Todos temos presente o caso do Hospital Fernando Fonseca (Amadora/Sintra) onde o Tribunal de Contas sublinha em relatório (pág. 12) que em 2007 estavam por acertar contas desde 2002 (na data do relatório há 5 anos)  link .
Isto é, o que é público na proposta do PSD é a gestão ser privada, a regulação seria domesticada e, finalmente, o financiamento ficaria à rédea solta.
 
Na verdade a atualização da Lei de Bases da Saúde justifica-se mas a mudança de paradigma não tem qualquer cabimento.
Ninguém está contra a discussão de um novo modelo de gestão, com balizas estratégicas (constitucionais), com planeamento no investimento e na inovação e integração dos serviços (hospitalares, cuidados primários e continuados) dentro de um serviço público que muito embora esteja a viver dias conturbados é um dos filhos diletos (um pilar social) do regime democrático saído do 25 de Abril e deve continuar no domínio público para garantir e prosseguir uma estratégia de futuro onde três variáveis são incontornáveis: a universalidade, a equidade e a acessibilidade.
 
Sem entrar em enganadoras engenharias financeiras ou retorcidas retóricas para mascarar ocultas opções ideológicas o povo sabe que: “Quem dá o que tem, a pedir vem”.
Esta deverá ser a resposta simples e direta ao projeto apresentado pelo coordenador do PSD para a saúde, Luís Filipe Pereira que já conhecemos de ginjeira.
 

Comentários

e-pá:

Este foi o melhor artigo que li nos últimos tempos sobre o SNS. Peço-te que o envies para o JN, Expresso e Público ou, mesmo, CM. Pode ser que algum deles, para fingir isenção, dê guarida a uma reflexão tão valiosa. Um abraço.

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