CDS e os peões de brega dos ditos 'proprietários'…

Não sinto particular motivação para falar sobre o ‘caso Robles’. Todos percebemos que se tratou de uma mundana tentação de aproveitamento das contradições do capitalismo que redundou numa clamorosa incompatibilidade ética incompatível com posições políticas abundantemente expressas contra a especulação imobiliária. O que incomoda é o diligente aproveitamento pela Direita que, quotidianamente, promove e defende as mesmas práticas.

Mas quando o CDS vem à liça falar da ‘taxa Robles’ a apetência por ‘voltar à vaca fria’ dispara. A argumentação do deputado do CDS João de Almeida sobre uma eventual taxa proposta pelo BE que visa dificultar a especulação é absolutamente indigente. A candura que o deputado porta-voz da formação política de Direita encara aquilo que chama ‘negócio imobiliário’ e à custa da qual resolveu fazer uma chicana ideológica sobre um conceito histórico - “ a propriedade é um roubo” link é mais do que indigente, atingindo as raias da desonestidade.

Usar uma tirada ideológica do início do século XIX, expandida por Pierre Joseph Proudhom, fora do contexto da época (1840)  e que deve ser inserida na degradante situação social vivida onde campeava a exploração dos trabalhadores rurais (os designados servos) por uma aristocracia eivada ainda de resquícios feudais, decadente, marcadamente absentista e parasitária mostra como um conceito datado – no dealbar da revolução liberal - sobre questões inerentes à propriedade pode ser utilizado com o intuito de provocar confusão, despertar medos e alimentar insegurança.

Não vamos, em contraponto, confundir as posições do CDS, que se reclama de uma matriz demo-cristã, de que João de Almeida é arreigado um porta-voz, com as posições inquisitórias de um tempo medievo onde – como sabemos - as heresias custavam, na fogueira, a vida. Aqui o roubo era múltiplo - o património, a honra e a vida. Não enveredamos por esse caminho comparativo embora nunca devemos esquecer as incoerências da doutrina cristã e o seu incontrolado proselitismo.

Em primeiro lugar, convinha revisitar algumas das nebulosas circunstâncias em que o ‘negócio imobiliário’ está a desenvolver-se no nosso País.
Os investidores e/ou as grandes empresas imobiliárias, que concorrencialmente se instalaram, têm, à custa da ‘Lei Cristas’ (é bom enquadrar), despejado inquilinos das áreas residenciais históricas e populares nos grandes centros urbanos e a partir dessa pressão ‘construíram’ carteiras e bolsas de reserva de imóveis que acabam por influenciar e condicionar especulativamente o dito ‘mercado habitacional’.
Essas bolsas estão a ficar cada vez mais concentradas e tendem a formar uma ‘bolha’. Ora todos nós já sabemos em que é que dão estas ‘bolhas’ ou não tivéssemos sofrido uma crise que se iniciou no subprime imobiliário. O que presentemente se está a passar não enriquece o país, quando muito cria alguns ricos. O problema é quando a situação estoirar não atinge esses novos ricos, e todos seremos convocados a contribuir para a resolver, isto é, pagar.

Nesse ‘arrastão imobiliário’ que está a despojar os cascos urbanos de residentes permanentes substituindo-os por ocupantes efémeros dispostos a pagar à semana ou aos 15 dias, são usados 2 instrumentos: a nova Lei do Arrendamento Urbano (Lei Cristas) e os chamados Vistos Gold (tão da afeição de Paulo Portas).
Esta circunstância, só por si, deveria determinar alguma contenção e pudor ao CDS na abordagem da situação. A causa das coisas está nestas conceções, nas opções regulamentares daí emanadas e é absolutamente indecente querer iludir as consequências que assomam.

A volatilidade desta situação do parque imobiliário está por detrás, ou comandará, a reedição de um novo processo especulativo. O lucro fácil, abusivo e ‘imoral’ que foi publicamente exorcizado até à náusea pelo CDS representa uma e só coisa: a evidência de especulação.

Quando se condena o cidadão Ricardo Robles à volta de uma denúncia de propósitos especulativos não se pode na mesma onda negar a existência de especulação.
Ricardo Robles, com os ‘pecadilhos’ de falou António Costa link, não é o criador da especulação imobiliária sendo, quando muito, um descuidado e venal aproveitador da situação que não soube – ou não quis – esconder-se por detrás de dissimilações ou ‘testas de ferro’.

Em contraponto com uma situação já publicamente condenada e com consequências políticas e pessoais o aparecer em público, como fez o deputado João de Almeida, a incensar as excelsas virtudes do mercado (supostamente ‘livre’), blindando-o de qualquer medida reguladora, seja através da atribuição de uma forte condicionante social ao mercado habitacional, seja de medidas fiscais ou regulamentares – a metodologia não será importante - é pouco, ou nada, honesto. A indesmentível especulação acabará por destruir – é uma questão de tempo - o ‘sacrossanto mercado’ .

O neoliberalismo defende e pretende impor – como sabemos - o mercado livre como uma mezinha para o funcionamento da Economia. Fundamentalmente um mercado ‘livre’ de qualquer regulação numa atitude muito próxima de infantil crendice de que as prendas do ‘Pai Natal’ funcionam como método redistributivo. A balela é sempre a mesma e repetida. A propalada e nunca verificada capacidade de ‘autorregulação’ dos mercados.

Os mercados especulativos alimentam-se destas operações de compra e venda e só episodicamente influenciam a Economia e não geram riqueza porque são marginais a todo e qualquer processo produtivo. Os mercados especulativos criam tão-somente um número restrito de ‘novos-ricos’ ou favorecem a concentração da riqueza nas oligarquias reinantes, situação que é radicalmente distinta do desenvolvimento económico. 

Os demo-cristãos – julgo que será neste terreno ideológico que Cristas e seus apaniguados pretendem inserir-se – não podem deitar para detrás das costas o papel da habitação nos equilíbrios necessários em qualquer arquitetura social. Não é possível defender as famílias, os idosos e os contribuintes (arenga do CDS) deixando ao livre arbítrio dos mercados a questão habitacional, seja em termos de valor, posse ou arrendamento.
Gritar que qualquer taxação reguladora da especulação constitui um ‘desrespeito pelos proprietários’ link e deixar o dito mercado habitacional caminhar sem rédeas não estará muito distante de uma deriva neoliberal. Na realidade, a grande maioria dos portugueses será proprietária da sua residência habitual mas está longe de ser detentora de uma bolsa imobiliária para introduzir e negociar nos ditos mercados.
A deriva populista do CDS, expressa pelo deputado João de Almeida, representa no seu ‘ambiente ideológico’, uma espécie de renascimento da figura de ‘cristão-novo’, tendo como pano de fundo um pérfido e oculto ‘pecadilho neoliberal’. Sendo assim, o arrazoado despendido por João de Almeida será a expressão de uma nova deriva ‘cristã-liberal’, em que os objetivos de equidade e bem-estar social se eclipsaram para não prejudicar o negócio especulativo.

Os portugueses não têm nada a ver com estas mutações ideológicas mas mereciam menos equilibrismos retóricos e maior clareza na transmissão de posições partidárias. E acima de tudo, desejam ser poupados a novas crises derivadas ou provocadas por estas ‘liberdades mercantilistas’.
O Robles esteve mal e retirou-se do palco político. Tentou corrigir a mão - o que não é fácil - mas ao menos remeteu-se a um pacato silêncio.

Outros - como os afanosos dirigentes de Direita – conhecem as consequências das suas elucubrações mercantis mas teimam em permanecer na ribalta e debitar diariamente aleivosias ao sabor da agenda mediática. São peões de brega da globalização neoliberal.

Comentários

Oleg disse…
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