A descolonização portuguesa e as feridas por sarar
As descolonizações foram sempre tragédias, agravadas com o prolongamento da guerra. A portuguesa deveu-se ao ditador, leviano e sinistro, que ignorou os sinais da História e recusou negociar a autodeterminação que os africanos e o direito internacional exigiam.
Todas as descolonizações carregaram sofrimento e injustiças, próprios de revoluções. A portuguesa foi tão tardia que impediu minimizar o desastre e acautelar interesses lícitos. Houve nessa tragédia apenas uma epopeia, a do único exército do mundo capaz de uma retirada gigantesca sem uma única baixa.
Portugal foi exemplar a acolher, como devia, os nacionais que voltaram. Ninguém ficou alheio aos dramas de quem se viu espoliado de haveres, do conforto e do habitat. Fomos melhores do que os franceses onde a síndrome dos «pés pretos» ainda persiste.
A guerra colonial portuguesa, começou quando a França estava a acabar de perder a sua, na Argélia (1954/62). Em 1962, o PR francês, De Gaulle, reconheceu a independência e resolveu o problema político de 132 anos de ocupação. O colonialismo francês sofrera a última derrota. O português, demorou ainda 12 anos, e teve na Guiné o fim das bravatas imperialistas.
Salazar inventou um mito exclusivo, Portugal, do Minho a Timor, como se a ditadura pudesse perpetuar uma guerra votada ao fracasso. A História não se escreve ao gosto de cada um. Confrange ver África, vítima da miséria, ignorância, tribalismo, doenças, fome e guerras. Não tem um único país claramente democrático ou próspero, e derrotou todos os países colonialistas. Portugal foi o último.
Depois de perdidos, em 1954, os enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli, em 18 de dezembro de 1961 as forças indianas anexaram Goa, Damão e Diu e exigiram a rendição, perante o demente telegrama de Salazar que exigia a resistência ou morte de todos os militares.
Nem aí o ditador percebeu que só estava a inviabilizar as negociações e a prolongar uma guerra inútil, injusta e criminosa. O nacionalismo fascista fez a guerra colonial quando a moral, o direito e a comunidade internacional a condenavam. Salazar perderia a guerra depois de morto, mas deixou os seus sequazes a reescreverem a História.
As feridas ocultam os erros e crimes do regime que moldou as mentalidades que alguns procuram perpetuar, 46 anos após a derrota política, militar e moral. Portugal não fez a catarse da tragédia para que a ditadura nos arrastou, nem entendeu que, após o fim dos outros impérios coloniais, era insustentável a mística de ‘um país do Minho a Timor’.
Juntam-se na mórbida nostalgia do “nosso Ultramar, infelizmente perdido”, a desolação de quem perdeu os bens de uma vida e a vida de familiares, os dramas de um regresso traumático, os saudosistas da ditadura, e ex-militares que recusam que a guerra em que participaram fosse um crime de um exército de ocupação das colónias.
Há portugueses que ignoram que fomos o último país a aceitar o direito das colónias à autodeterminação e que a guerra prolongou o sofrimento inútil e a perda de vidas dos que lutavam por uma causa justa e dos que eram obrigados a opor-se-lhe.
Foi o nacionalismo fascista o responsável da guerra colonial, quando a moral, o direito e a comunidade internacional já tinham condenado o colonialismo.
Defender hoje o que já então era uma insana obsessão do salazarismo, que a cobardia de Marcelo Caetano prolongou, é uma aleivosia. Quem se opõe ao branqueamento da ditadura deve denunciar o que viu e soube no teatro de guerra onde caíram militares dos dois lados e familiares dos combatentes da independência dos seus povos.
Quando se consagram, em monumentos ou na toponímia, ‘Heróis do Ultramar’, em vez de “Vítimas da Guerra Colonial”, glorificam-se os de um lado e denigrem-se as vítimas, civis e militares, do outro. A falsificação da história não honra os militares da minha geração, dignos de melhor causa, que não mereciam os horrores que sofreram e infligiram.
Como antigo combatente, repudio os truques para branquear a ditadura. Não há, nunca houve, «heróis do ultramar», há vítimas da guerra colonial.
De ambos os lados. Civis e militares. Portugueses e africanos.
Todas as descolonizações carregaram sofrimento e injustiças, próprios de revoluções. A portuguesa foi tão tardia que impediu minimizar o desastre e acautelar interesses lícitos. Houve nessa tragédia apenas uma epopeia, a do único exército do mundo capaz de uma retirada gigantesca sem uma única baixa.
Portugal foi exemplar a acolher, como devia, os nacionais que voltaram. Ninguém ficou alheio aos dramas de quem se viu espoliado de haveres, do conforto e do habitat. Fomos melhores do que os franceses onde a síndrome dos «pés pretos» ainda persiste.
A guerra colonial portuguesa, começou quando a França estava a acabar de perder a sua, na Argélia (1954/62). Em 1962, o PR francês, De Gaulle, reconheceu a independência e resolveu o problema político de 132 anos de ocupação. O colonialismo francês sofrera a última derrota. O português, demorou ainda 12 anos, e teve na Guiné o fim das bravatas imperialistas.
Salazar inventou um mito exclusivo, Portugal, do Minho a Timor, como se a ditadura pudesse perpetuar uma guerra votada ao fracasso. A História não se escreve ao gosto de cada um. Confrange ver África, vítima da miséria, ignorância, tribalismo, doenças, fome e guerras. Não tem um único país claramente democrático ou próspero, e derrotou todos os países colonialistas. Portugal foi o último.
Depois de perdidos, em 1954, os enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli, em 18 de dezembro de 1961 as forças indianas anexaram Goa, Damão e Diu e exigiram a rendição, perante o demente telegrama de Salazar que exigia a resistência ou morte de todos os militares.
Nem aí o ditador percebeu que só estava a inviabilizar as negociações e a prolongar uma guerra inútil, injusta e criminosa. O nacionalismo fascista fez a guerra colonial quando a moral, o direito e a comunidade internacional a condenavam. Salazar perderia a guerra depois de morto, mas deixou os seus sequazes a reescreverem a História.
As feridas ocultam os erros e crimes do regime que moldou as mentalidades que alguns procuram perpetuar, 46 anos após a derrota política, militar e moral. Portugal não fez a catarse da tragédia para que a ditadura nos arrastou, nem entendeu que, após o fim dos outros impérios coloniais, era insustentável a mística de ‘um país do Minho a Timor’.
Juntam-se na mórbida nostalgia do “nosso Ultramar, infelizmente perdido”, a desolação de quem perdeu os bens de uma vida e a vida de familiares, os dramas de um regresso traumático, os saudosistas da ditadura, e ex-militares que recusam que a guerra em que participaram fosse um crime de um exército de ocupação das colónias.
Há portugueses que ignoram que fomos o último país a aceitar o direito das colónias à autodeterminação e que a guerra prolongou o sofrimento inútil e a perda de vidas dos que lutavam por uma causa justa e dos que eram obrigados a opor-se-lhe.
Foi o nacionalismo fascista o responsável da guerra colonial, quando a moral, o direito e a comunidade internacional já tinham condenado o colonialismo.
Defender hoje o que já então era uma insana obsessão do salazarismo, que a cobardia de Marcelo Caetano prolongou, é uma aleivosia. Quem se opõe ao branqueamento da ditadura deve denunciar o que viu e soube no teatro de guerra onde caíram militares dos dois lados e familiares dos combatentes da independência dos seus povos.
Quando se consagram, em monumentos ou na toponímia, ‘Heróis do Ultramar’, em vez de “Vítimas da Guerra Colonial”, glorificam-se os de um lado e denigrem-se as vítimas, civis e militares, do outro. A falsificação da história não honra os militares da minha geração, dignos de melhor causa, que não mereciam os horrores que sofreram e infligiram.
Como antigo combatente, repudio os truques para branquear a ditadura. Não há, nunca houve, «heróis do ultramar», há vítimas da guerra colonial.
De ambos os lados. Civis e militares. Portugueses e africanos.
Ponte Europa / Sorumbático
Comentários
Perante a recusa do ditador, ele teve o seguinte desabafo: " O problema de Portugal é que governado por um triunvirato; Salazar, o Infante D. Henrique e a Senhora de Fatima!"
A sintese ilustra bem o que era Portugal nessa altura...
A. Moura
Cumpts.
Não estou a defender a sua posição, obviamente, apenas compreendo que o trauma e a dor que ainda sentem os impede desse gesto de afastamento em relação à nossa História recente e à aceitação da verdade simples de que se os Portugueses têm direito à sua auto-determinação, esse direito vale igualmente para os Africanos...
No texto também mostro que a compreendo e que a considero a sua enorme importância na benevolência com que a guerra colonial é tratada e na normalização do colonialismo.