“Dia Internacional da não violência contra a mulher” – 25-11-2020
«O Observatório das Mulheres Assassinadas (OMA) contabilizou 30 mulheres mortas entre 1 de janeiro e o dia 15 de novembro, 16 das quais em contexto de relações de intimidade, um valor abaixo das 21 registadas em 2019.» (Miguel A. Lopes / Lusa, 23-11-2020
A notícia só surpreende quem anda desatento, mas é a
vergonha de uma sociedade onde a violência masculina se perpetua como a herança
de séculos de escravidão da mulher, a resistir à civilização e ao respeito
pelos direitos humanos, sem que a redução do número de crimes permita acalentar
a sua erradicação a curto prazo.
Desde 2004, morreram 504 mulheres, em contexto de violência
doméstica, em Portugal.
A tradição religiosa e cultural pesa certamente na
perpetuação dos crimes cuja violência oculta a crueldade quotidiana sofrida em
silêncio, a humilhação de quem quer preservar os filhos e teme pior danos. Recorde-se
quem impedia o divórcio antes do 25 de Abril.
A agressão dentro do lar, física ou psíquica, é uma cobardia
de quem se julga impune e substitui a razão pela força e o amor pela violência.
Guardei do DN de 17-11-2014 informações que conhecia, e que
julgava de épocas mais recuadas, tal a vergonha que senti e o sobressalto
cívico que me atingiu:
«1969 – As mulheres casadas deixaram de precisar de
autorização do marido para tirarem passaporte;
1974 – Foi decretado o acesso das mulheres a todos os cargos
da carreira administrativa local, à carreira diplomática e à magistratura,
ainda com interdição de acesso às Forças Armadas que só terminaria em 1990;
1975 – Fim de crimes de honra legais, com a anulação do
art.º 372.º do Código Penal, que apenas previa pena de desterro para o marido
que matasse a mulher em flagrante de adultério ou filhas menores de 21 anos,
vivendo «debaixo do pátrio poder», que fossem «corrompidas»;
1976 – O Art.º 13.º proíbe tratamento discriminatório em
função de sexo, com alteração dos artigos do Código Penal, o que permitia ao
marido ler a correspondência da mulher e o que atenuava a pena se a
prostituísse.»
A afronta, a humilhação e crueldade do ordenamento jurídico
eram a marca da ditadura clerical-fascista, o reflexo do apreço pelas mulheres,
mães, irmãs e filhas, num país que era o cárcere dos portugueses e a sala de
tortura das mulheres.
A violência doméstica é o legado de quem agredia, violava e flagelava
as mulheres, dos cavernícolas que impuseram um regime iníquo, onde a
discriminação das mulheres e os preconceitos misóginos se perpetuaram. Até na
lei.
Urge pôr cobro à discriminação salarial, ao acesso ao
emprego e aos preconceitos contra a mulher. Deram-se passos enormes em
democracia, mas ainda insuficientes.
Hoje, ‘Dia Internacional da não violência contra a mulher’,
deixo este grito de revolta e a esperança da rápida e efetiva igualdade que o
respeito dos Direitos Humanos exige.
Ponte Europa / Sorumbático
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