Divagações ím(pias)
O Prof. Amadeu Carvalho Homem, a quem me liga uma indefetível amizade
e enorme admiração, é um reputado historiador e, no seu ecletismo, um dos mais doutos
em Filosofia. Penso que podia ter sido um brilhante catedrático de Filosofia
como o foi, e é, da História.
Aprendo muito com ele e leio-o, em livros de investigação e
textos académicos onde me deleito com a vastidão dos conhecimentos e a
qualidade da prosa em que os verte. Mas não são as suas qualidades que ora me
trazem a esta reflexão, é o benefício que atribui às religiões, ‘como moderadoras
dos instintos cruéis humanos’.
Sou cético perante o benefício que lhes atribui e, pelo
contrário, considero-as além de falsas, nocivas.
Que as religiões moldaram a geografia política e são elementos
muito fortes na coesão dos países, a par da língua e da cultura, não há
dúvidas. Ainda hoje definem fronteiras, embora seja agnóstico quanto à bondade
das alterações.
Para quem só pensa nas religiões do livro, ou que são apenas
estas as responsáveis por guerras e massacres, vou tentar, com exemplos,
recordar também malefícios de outras, que gozam de benevolência e do seu
desconhecimento.
Qualquer cidadão medianamente informado conhece as guerras
que ensanguentaram a Europa, em especial, a dos Trinta Anos que terminou com a
Paz de Vestefália. Talvez se esqueça a violência da evangelização dos índios,
sobretudo pelos espanhóis, e se duvide da colaboração cristã no advento do
fascismo e do nazismo, ou se julgue que a Reforma e a Contrarreforma, bem como
a Inquisição, foram acidentes de percurso.
O proselitismo é uma tara comum aos dois monoteísmos mais
recentes, e o primeiro não é mais recomendável, na sua obsessão sionista.
Aliás, quando governos confessionais se apoderam de países, há uma regressão
dos Direitos Humanos, com recrudescimento do racismo, xenofobia e misoginia,
num recorrente regresso ao pensamento patriarcal das tribos nómadas da Idade do
Bronze, criadoras de um deus idealizado à semelhança dos seus patriarcas.
Para terminar a referência ao cristianismo, recordo a regressão
civilizacional em curso na Polónia e na Hungria, nestes casos, da
responsabilidade do nacionalismo católico.
Quanto ao islamismo, o mais implacável dos monoteísmos, e à
incompatibilidade com a democracia e os Direitos Humanos, deixo-o para outros
textos. Atenção à deriva turca.
Na Birmânia, agora Mianmar, generais paranoicos, budistas
piedosos, são responsáveis pelos genocídios das minorias étnicas, com inaudita
crueldade, desmentindo a alegada bondade budista, como já acontecera no Sri
Lanka. Em países budistas, há monges que traficam droga, cometem crimes sexuais
e geram violência entre diferentes mosteiros.
O xintoísmo japonês, com um anacrónico semideus, o
imperador, foi cúmplice fascista na Segunda Guerra, e foi brutalmente cruel no
domínio chinês.
O hinduísmo, agora em fase violenta de nacionalismo, sob Narendra
Modi, combate o islamismo e cultiva a rivalidade com o budismo. Mantém as
castas e é especialmente intolerante para com as viúvas que ousem casar de
novo.
Pode dizer-se que são os interesses económicos, financeiros,
políticos e geoestratégicos que fomentam as guerras, mas a religião é quase
sempre o cimento do entusiasmo com que o mal é praticado.
Hoje é em países maioritariamente cristãos que as
democracias melhor respiram, e mais respeitados são os direitos humanos. Não é
mérito da religião, mas da laicidade imposta pela repressão aos seus padres.
Da falsidade das religiões dei-me conta cedo e, mais tarde, do seu malefício.
Comentários