Marcelino da Mata – A recuperação do mito do Império
Um soldado que optou combater do lado do exército de ocupação e teve a sorte de estar em Portugal no 25 de Abril, trazia a coragem, o gosto pelo sangue, a excitação do terror que provocava no PAIGC e, sobretudo, a vaidade de ser aplaudido pelos que sofriam os ataques dos guerrilheiros da Guiné.
Marcelino da Mata também era um guerrilheiro do lado que
escolheu, mas a violência inaudita com que assassinava mulheres e crianças e os
massacres que provocou com os seus soldados eram o ADN do tribalismo primário
que exibia, sedento de ser admirado no exército de ocupação, por militares que
a ditadura fascista deportou de Portugal para a aventura criminosa da guerra
colonial.
O fascismo fez dele um ícone e foi-o promovendo. A negritude
serviu a propaganda da ditadura. O desleixo da democracia ainda lhe acrescentou
mais veneras ao peito inchado do soldado amoral. Morreu capitão, graduado em
tenente-coronel, com honras prestadas por quem não cumpriu o Serviço Militar
Obrigatório.
O 25 de Abril, fez-se contra a guerra colonial onde o
alferes Robles, Alpoim Calvão, e o mercenário Marcelino da Mata tinham o seu
habitat, onde a bravura se confundia com o gosto da violência.
Os comandos africanos distinguiram-se sempre pela crueldade,
normalmente integrados por ex-militares. No Niassa conheci o Daniel Roxo e o
Porto, dois mercenários temidos pela Frelimo, conhecedores do mato e seguidos
por destemidos e cruéis combatentes negros sob o seu comando.
Que militares portugueses, os que lhe devem a vida e combateram
com ele na Guiné, o acompanhassem, não me repugnava, mas que o presidente de
todos os portugueses lhe desse honras de Estado, é um ato de branqueamento da
guerra colonial e, sobretudo, dos massacres de um dos lados.
Os autores do massacre de Wiriamu e de muitos outros não
serão homenageados porque seria um escândalo internacional, mas o autor de
muitos massacres na Guiné, porque era preto, virou herói do PR e teve, nas
exéquias fúnebres, um bispo com estrelas de general cuja missa o levará ao
Paraíso mais rapidamente do que a de um alferes capelão.
Foi a presença do PR, que arrastou consigo o CEMGFA e o CEMGE,
a dar relevância a um funeral que abriu as feridas que os homens da minha
geração trazem consigo.
Este ato feriu a reconciliação com os PALOP, o espírito
pacífico dos portugueses e as raízes da nossa democracia. Foi uma afronta às
vítimas do fascismo, de ambos os lados, e o branqueamento da guerra colonial e
da demência do Império.
Era fácil ignorar o simbolismo do ato que não honra o PR,
mas era cobardia de quem não confunde patriotismo com nacionalismo, nem
massacres gratuitos com heroísmo, silenciar o regresso à exaltação dos que estavam
nas colónias ‘a defender a civilização cristã e ocidental’, como dizia o
cardeal Cerejeira.
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