As vacinas e os oportunistas
Quando se acusam de corrupção os políticos, como se fossem uma espécie de celerados, num país de débil cultura cívica e de duvidosa probidade, recordo sempre os pedidos de que ouvia falar na infância, para um lugar de contínuo, polícia ou porteiro de Banco.
Hoje, na ansiedade de uma vacina que pode salvar vidas, vejo
os pequenos decisores de lares, hospitais ou instituições prioritárias na
vacinação, a incluírem os primos, os filhos e os amigos numa renúncia ao pudor
e afronta à dignidade cívica.
São da massa de que eram feitos os próceres da ditadura cujo
ADN anda aí na cadeia de transmissão do oportunismo, traficância e troca de
favores, sem ética, pudor ou medo.
A veniaga seduz os pequenos decisores, arruína a honra de
provedores de santas casas, a santidade de párocos de província, a idoneidade
de autarcas de obscuras localidades, e a inveja move os que mais gritam,
consome os mais fracos e dilacera os que, em silêncio, ruminam ódio.
É nestas situações de ansiedade e medo que uma legião de
delatores está disponível para a denúncia, em gritos estridentes ou na cobardia
da carta anónima, na exposição pública da indignação ou no lamento hipócrita
bafejado em surdina.
Em quase 46 anos de democracia mudaram pouco os hábitos, a
mentalidade e o civismo de um povo que parece regredir a cada sobressalto e
regressar à indignidade sempre que a ocasião surge.
O favor da dose da vacina para amigos e familiares, obtida por
nepotismo do decisor ou fraude de um imaginativo burocrata é a metáfora inequívoca
do país que não deixámos de ser e teimamos em continuar.
Não é apenas o vírus que nos mata, é a falta de decoro que
nos faz morrer de vergonha.
Ponte Europa / Sorumbático
Comentários
Antes de tudo, as pessoas têm medo por si e pelos seus próximos e o medo é mau conselheiro. Erigir um ato condenável moralmente à mesma categoria da corrupção, como quer agora o PSD, punindo a vacinação indevida com 3 anos, parece-me exagerado e revelador de pouca ou nenhuma compaixão.
Os critérios de vacinação eram claros, o que não é possível é pôr um fiscal em cada lar, centro de saúde ou hospital a evitar abusos.
A falta de civismo, aliada à falta de confiança nos decisores grandes e pequenos é reveladora da crise que nos assola...
Concordo consigo. O oportunismo político produz leis ao sabor da populaça.