A Carta dos generais e Bizâncio
Pela importância do contraditório, deixo aqui a reflexão do coronel Matos Gomes, historiador, escritor e militar de Abril, relativamente a esta carta dos 28 generais que a assinam.
«Em Bizâncio, há séculos, discutiam-se extravagância
teológicas. O sexo dos anjos, por exemplo. Os sumo-sacerdotes que discutiam
esses temas levavam-se a sério e levavam-nos a sério e a peito, mas os assuntos
importantes ocorriam noutro âmbito, noutro universo onde os assuntos a sério
originavam guerras a sério. Não foi a discussão sobre a hierarquia da trindade
do cristianismo entre pai, filho e espírito santo que originou cismas e mortes,
foram interesses.
Eu tenho o maior respeito e consideração por todos estes
oficiais generais, e penso que as Forças Armadas são um elemento essencial para
mantermos a nossa soberania (a que puder ser), o que para mim significa no
mínimo garantir a liberdade de decidir sobre o nosso destino e manter o padrão
civilizacional que desenvolvemos ao longo da nossa história.
Julgo que cada vez mais as ameaças são globais e exigem
respostas centralizadas (unidade de comando) e em tempo oportuno, com meios
tecnológicos comuns aos vários elementos da estrutura de defesa, operados por
profissionais competentes.
Do pouco que li e pela rama, os excelentíssimos generais
portugueses estão a pensar num cenário já esgotado, no passado em que o
soldado, o marinheiro, o aviador, o batalhão, a fragata e o caça são os
elementos essenciais do combate, que os generais, os comandantes chefes traçam
eixos de ataque e linhas de defesa em mapas e aí se travam batalhas e que as
decisões para um Estado agir pela força num dado cenário (teatro — isto é tudo
uma representação) se decide no quadrilátero Terreiro do Paço, Santa Apolónia,
Alfragide e Belém o das sedes dos estados-maiores.
Eu interrogo-me sobre como deter a vaga de migrantes do
norte de África e sobre quem os comanda, que é quem os manda e quem os manda é
quem cria condições para eles terem de invadir outros espaços, o meu, o nosso…
Equem criou o caos em Cabo Delgado, ou na Nigéria, ou no Congo, ou no Iraque,
ou no Afeganistão?
Estando os nossos generais a discutir uma versão
contemporânea e especializada da questão do Filioque, que foi tema do Primeiro
Concílio em Constantinopla, se o Espirito Santo precede o Pai e onde entra o
Filho, a questiúncula trinitária, eu pergunto-me qual a importância do tema
para explicar a intervenção de forças armadas portuguesas no Afeganistão, no
Iraque, nas provocações americanas à Rússia nos estados bálticos, no
desmembramento da Jugoslávia e no ataque à Sérvia, no caos da Líbia, no apoio a
Israel … A estrutura de comando das FA portuguesa teve alguma influência na
decisão destas participações? Os nossos generais signatários da carta, todos,
exceto um, antigos Chefes de estado-maior, tiveram algum papel nas decisões,
individualmente ou em conjunto?
A manutenção ou a alteração da estrutura de comando, da
hierarquia de chefias, terá alguma influência nas condições de defesa do Estado
Português e dos seus cidadãos contra o domínio das bases de dados por parte das
super-estruturas das instituições financeiras que manipulam as cotações de
divisas, de preços bens essenciais, o petróleo, o algodão, dos metais raros,
que se assenhoreiam das fórmulas de químicos para a saúde e o bem-estar da
população mundial, que determinam onde se constroem viadutos e linhas de fibra
ótica, ou quem pode dispor de armas nucleares, ou a quem é interdito, a quem se
pode comprar alta tecnologia ou não, quem manipula a opinião publica e leva
multidões a acreditar que vem aí um salvador?
A discussão ora em curso esclarecerá quanto vale, em termos
militares, um Steve Bannon, a Fox News, o Papa Francisco, um bispo da Iurd, o
Putin? E se o Clube de Bildberg é amigo ou inimigo? Estes amigos-inimigos são
estudados nos novos estados-maiores portugueses e as conclusões têm alguma
importância, maior ou menor que a da hierarquia da Santa Trindade?
E a discussão trinitária, ou quaternária, que subjaz à carta
esclarece se os estados maiores dos ramos ou o estado-maior conjunto estudam o
potencial destruidor do banco Goldman Sachs, por exemplo, ou se é assunto para
o novo CHOD? E cabe à Força Aérea, ou ao Exército, ou à Marinha a defesa contra
o jiadismo? E quem determina a importância militar do pirata informático Rui
Pinto, as forças terrestres, aéreas ou navais? E qual o ramo que recruta os melhores
cérebros das matemáticas puras, base da moderna ação militar desde a descoberta
da chave do Enigma nazi?
São questões estúpidas, as minhas, claro. Bizantinices…
Há nomes que me custa a ver no final da carta, há nomes que
não me admiro nada de lá estarem…
Carlos de Matos Gomes — anti-bizantino»
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