O enriquecimento ilícito e a hipocrisia
A propriedade não é necessariamente roubo, mas o enriquecimento ilícito, mais do que roubo, é a lepra que corrói o tecido dos regimes democráticos, os únicos que permitem a sua denúncia e julgamento.
O combate nem seria muito difícil, se os Estados poderosos
se regessem por princípios éticos e abdicassem de usar os paraísos fiscais para
subsidiarem atividades que vão da espionagem ao apoio a organizações
terroristas.
A facilidade com que alguns partidos abdicam dos princípios
do Estado de direito para a luta eleitoral, incentivando ou tolerando a
inversão do ónus da prova em Direito Penal, é motivo de forte preocupação para
quem defende a CRP e o Estado de direito, isto é, a democracia.
A retórica do combate à corrupção encontra eco estrondoso
nos média e, sobretudo, nas redes sociais, não tanto por vontade de combater o
crime, mas por demagogia, inveja ou desejo de monopólio.
Há pelo menos um século que, em democracia, a retórica do
combate ao enriquecimento ilícito é um instrumento de luta interpartidária,
alheia ao rombo que causa à democracia, quando mais fácil e eficaz é o fim do
sigilo bancário, já que outro instrumento poderoso – o fim dos paraísos fiscais
–, não depende de um só país ou espaço político-económico.
A desfaçatez com que se recita o mantra “é preciso combater
o enriquecimento ilícito” é quase tão insuportável como a perpetuação do crime.
Com exceção dos 48 anos de ditadura, onde o enriquecimento
ilícito era monopólio dos próceres da ditadura, e o encobrimento uma obrigação
da censura, em todas as épocas de liberdade da nossa História, da monarquia
liberal e da primeira República até à atual, este crime foi sempre uma arma de
arremesso político.
Deixo aos partidos políticos o desafio para acabarem com o sigilo bancário e, aos líderes mundiais, o fim dos paraísos fiscais.
Ponte Europa / Sorumbático
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