Memórias da ditadura (continuação)
O meu despretensioso texto de ontem mereceu testemunhos de algumas colegas e outros amigos contemporâneos, além de atrair, como é habitual, empedernidos salazaristas que espumam de raiva e ensandecem.
Por mensagem privada, houve um que me felicitou pela ‘excelente
memória’ que permitiu recordar o dia em que escrevi a carta. Não respondi à
ironia do salazarista, mas publico hoje o envelope com o carimbo dos correios.
Compreendo que os salazaristas sintam vergonha por ver
desmascarado o seu ídolo, que neguem evidências como os néscios negam a
utilidade das vacinas, e procurem escrever a história do fascismo português ao
arrepio dos factos.
Creio que todos os leitores repararam que os sublinhados das
palavras “correspondente, assinante e colaboração” eram da autoria da Pide que,
aliás, não deu conta do perigo em que coloquei os meus saudosos pais quando
escrevi ser republicano “por educação e (…)”.
Aproveito para explicar hoje o motivo da minha afirmação
“Como não estou autorizado a escrever no jornal ‘República’. Em resposta ao
pedido ao ministro da Educação para me autorizar a escrever no jornal
República, recebi a devolução do ofício com a palavra ‘indeferido’,
acrescentando que podia “escrever, sem carecer de autorização, na Escola
Portuguesa e no Boletim das Casas do Povo”, órgãos que a legislação escolar expressamente
contemplava como exceções à necessidade de autorização.
Como já só somos vivos 4 dos 45 colegas que lecionámos na
Covilhã no ano letivo de 1961/63, aproveito, enquanto tenho testemunhas, para
contar o caso de uma colega que lecionou na escola dos Penedos Altos antes da
nossa chegada. Essa professora, com o casamento religioso marcado para as
férias, quis ser colocada na mesma localidade do futuro marido e resolveu fazer
o casamento civil para beneficiar da lei que lhe permitia ocupar uma vaga ao
abrigo da lei dos cônjuges.
A Pide rapidamente foi a sua casa indagar o motivo de um
casamento civil. A cerimónia religiosa marcada e, certamente, a convicção dos
esbirros de que tão devota senhora não consumasse o ato, antes da bênção
eclesiástica, evitaram-lhe represálias.
Continuarei a ocupar-me do Portugal que o fascismo cobria de
ridículo e de miséria, até que a vida ou o entendimento me abandonem. Disso
podem estar certos os fascistas que me leem e procuram desmentir factos ou
apoucar-me com o desdém com que tratam “o professor primário” que gostei de ser.
Os salazaristas não se dão conta da vergonha que deviam
sentir pela Pide, que violava tão grosseiramente a correspondência como prova a
inofensiva carta confiscada.
Promovi depois a angariação de fundos para a nova rotativa do jornal República e recebi de Carvalhão Duarte, professor do ensino primário demitido, várias e desvanecedoras cartas em que sempre me tratou por “caro colega”.
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