A memória, a censura e a liberdade

Se todos os que guardam memória da censura estivessem interessados em que não se repetisse o regime opressivo em que vivemos, teriam ensinado, às gerações que vieram, o que foi a ditadura.

É ilusão pensar que a liberdade é uma aspiração universal, que a democracia liberal é o regime inspirador dos povos, que o pluralismo, por mais defeitos que tenha, é superior a qualquer partido único.

A longa ditadura que Portugal suportou teve quem a apoiasse, pelo medo, a forma mais eficaz, pela ignorância ou, ainda, pelos benefícios que distribuía aos sicários.

Os bufos e rebufos que colaboravam com as forças repressivas não se limitavam aos que escutavam conversas nos cafés, catavam a correspondência nos centros de distribuição dos CTT ou gravavam chamadas telefónicas de suspeitos da ditadura. Uma multidão de censores lia as provas dos jornais e revistas para autorizar a circulação.

Quem nasceu em liberdade não imagina o que representaria a perda e dificilmente pode compreender o que diariamente fazia uma multidão de censores, investidos de poderes discricionários, às peças dos jornalistas e às próprias notícias, então submetidas ao crivo e ao humor do censor, sem certezas de que pudessem ser difundidas.

Para lá das malhas apertadas da censura, na defesa dos bons costumes, a bem da Nação, havia ainda a tendência dos obtusos censores desvirtuarem as notícias, mondá-las, como se fossem ervas daninhas, ou podá-las, se considerassem tóxicos alguns substantivos ou adjetivos.


Comentários

Monteiro disse…
Viver em Portugal era uma tortura.
A minha vida era uma tortura permanente.

- Era uma desilusão ler qualquer artigo que se tinha escrito num jornal literário. A censura cortava tanto que às vezes o que saia era a negação daquilo que queria afirmar.

- Ás 4 da manhã um carro parou à minha porta e já não dormi nada porque me convenci que me vinham prender.

- Quando estava no café a falar com um amigo, quando me despedi reparei num tipo de óculos escuros que devia ser bufo da PIDE.

- Num exame pediam uma análise de um escritor estrangeiro e acho que era sobre Sartre e aquilo deu pano para mangas. Julgando ter sido imprudente comecei logo a pensar na Pide e na prisão e arrependi-me do que escrevi, mas já não havia remédio, pensava eu.

Etc. Etc.
Monteiro:

Era a vida na ignomínia do regime.

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