O Islão e a alegada moderação que ensina

Há anos, na sequência do convite da RTP-1, programa Prós & Contras, na qualidade de presidente da Associação Ateísta Portuguesa, usei os 5 minutos que a jornalista Fátima Campos Ferreira me concedeu para manifestar a posição da AAP sobre as religiões.

Na mesa participavam o padre Anselmo Borges, o Sheik David Munir, Imã da Mesquita Central de Lisboa, e um líder judeu, de um lado; do outro, uma bispa evangélica, Carlos Fiolhais e um outro participante, dois não crentes. Era, pois, uma mesa de Prós & Prós, 4 crentes e 2 agnósticos.

A minha posição incomodou os 4 crentes, o que não impediu de me tornar amigo do representante católico.

À saída todos nos cumprimentámos urbanamente, com exceção do Sheik David Munir, à data ainda não acusado de violência doméstica, ato em que Maomé não veria crime.

Ninguém estranhou a sanha beata do incivilizado Sheik que os média descrevem como muçulmano tolerante. Eu não esperava outra atitude, só estranhei, algum tempo depois, que, numa entrevista, ao perguntaram-lhe se havia muçulmanos radicais em Portugal, afirmasse que não, ‘já por cá passaram, mas não tendo quem os seguisse, saíram’, sem que o jornalista lhe perguntasse se tinha referido às autoridades tal passagem.

Li hoje a entrevista de Khalid Jamal, português muçulmano apresentado como “senior advisor do presidente da Comunidade Islâmica de Lisboa” [sic]. Revela-se civilizado e cosmopolita, merecedor do maior respeito, e apenas me surpreendeu a sua referência a Jaime Nogueira Pinto, ideólogo da extrema-direita, como seu amigo, e a admiração pelo “professor Tariq Ramadan, um intelectual admirável”.

Quem teme o proselitismo islâmico não ignora o reformista salafista, defensor da sharia, filósofo e escritor suíço, professor da Faculdade de Teologia e Religião da Universidade de Oxford, considerado um dos mais influentes intelectuais do mundo. A sua fulgurante inteligência e aptidão comunicativa tornaram Taric uma vedeta de programas televisivos europeus, o que tornou ainda mais perigoso o seu proselitismo.

Não surpreendeu a sua prisão em França, em 2018, por violações, nem a divulgação de que foram encontradas muitas centenas de fotos pornográficas no seu computador. Esse foi o annus horribilis que fez empalidecer o brilho deste intelectual, agora com 59 anos, admirado por Khalid Jamal.

Quanto à serena, pacífica e inteligente entrevista de Khalid Jamal, estou de acordo em que o ocidente não tem de impor uma democracia (só acrescento que deve impedir a sua destruição), e recuso argumento de Salazar para a negar a Portugal. E, quando afirma que O Alcorão diz que homem e mulher são diferentes, essa diferença não significa desigualdade”, posso citar-lhe versículos e ditos (hadith) do Profeta que o contradizem.

Finalmente, tenho dúvidas de que esta entrevista civilizada pudesse ser publicada ou o autor lhe sobrevivesse em vários dos países islâmicos.


Comentários

Jaime Santos disse…
Assim de memória, Carlos Esperança, eu que não sou um leitor regular da Bíblia, lembro-me de três trechos do Antigo Testamento que são seguramente comparáveis ao que de pior encontrará no Alcorão, o trecho em que dois homens encontrados a dormir juntos devem ser postos à morte, porque isso é uma abominação, o em que uma mulher, casada (as solteiras são obrigadas a casar-se com o seu violador, se bem me recordo) violada por um homem em espaço urbano, deve ser morta junto com ele, porque não gritou por ajuda, e finalmente aquele famoso trecho em que Deus ordena aos israelitas que matem todos os cananeus capturados, exceto as mulheres virgens, que podem guardar para si.

Convenhamos, para moderação, estamos conversados.

Ainda recentemente, uma leitura de Paulo na Eucaristia Dominical transmitida pela RTP levantou protesto, tendo a ICAR explicado que naturalmente o texto deve ser lido à luz do tempo em que foi escrito e do Direito Romano que então vigorava.

Como o Carlos bem notou por diversas vezes, o mundo islâmico nunca beneficiou de um movimento iluminista que libertasse a política da religião e esta da política. Para além disso, o facto de o Alcorão ser um texto único e não um conjunto de textos, supostamente ditado pelo Anjo Gabriel a Maomé, também não ajuda a relativizar o seu conteúdo. A generalidade das confissões cristãs considera a Bíblia como um texto divinamente inspirado, mas não como um texto transmitido diretamente pela divindade, e que requer uma interpretação que não deve ser literal.

Quanto a Jamal, será um muçulmano conservador, mas suspeito que é sobretudo alguém que não saberá muito, porque de outro modo não se teria apresentado como 'senior adviser', o que, convenhamos, é um título bastante piroso que ainda se usa em algumas empresas e que provavelmente indica que a formação de Jamal será na área da Economia ou pior, da Gestão.

Suspeito pois que o Sr. Jamal citou o nome de Ramadan mas não lhe conhecerá nem a obra em profundidade nem muito menos o percurso.

Quanto ao nome de Nogueira Pinto, Seixas da Costa também é amigo dele e não consta que por isso alguém duvide das credenciais democráticas do antigo diplomata.

Parece-me que o Carlos Esperança levou a má educação de Munir a peito e que por isso não se tem cansado de o criticar de um modo que eu já considerei francamente injusto. A presunção de inocência deve igualmente aplicar-se ao Sheik Munir.

Os muçulmanos conservadores (e os conservadores religiosos no geral) não irão a lado nenhum e precisamos pois de aprender a conviver com eles, lutando, evidentemente, para que não imponham as suas conceções ao comum dos cidadãos, e para que não existam espaços ou pessoas aonde ou a quem a lei republicana não se aplica.

Agora, a forma correta de fazer isso não será certamente sugerindo que o Islão não tem lugar entre nós (porque de outro modo eles também não terão) ou que são todos estúpidos porque acreditam em algo em que nós não acreditamos...
Jaime Santos:

O Corão é uma cópia grosseira do Antigo Testamento que os judeus chamam apenas «Testamento».

Neste século o Islão converteu-se no mais implacável dos monoteísmos e num totalitarismo que faz lembrar a evangelização cristã ou o sionismo.

Este é o meu modo de ver.

De qualquer modo, o sr. Munir nunca foi confrontado com a afirmação de que os radicais já passaram por cá. Um perigo para a democracia não é denunciado?
Jaime Santos disse…
Estaria Munir a referir-se a este caso, que é bem conhecido?

https://amp.expresso.pt/internacional/2021-02-18-Jiadista-que-viveu-em-Portugal-condenado-a-pena-maxima-em-Franca

Não parto do princípio, sem evidência adicional, que as pessoas não são dignas... Quem quer que elas sejam...
Jaime Santos.

Foi muito anterior a esse caso. E falou no plural «já por cá passaram».

Mensagens populares deste blogue

Divagando sobre barretes e 'experiências'…

26 de agosto – efemérides