Sobre Otelo e as suas circunstâncias
Vale sempre a pena ler Carlos Matos Gomes, militar de Abril, quer como historiador, escritor ou pensador, mas é imperdoável não ler o que escreveu sobre Otelo.
«Minhas
amigas e meus amigos, com os habituais pedidos de desculpa pela intromissão.
Este é o 3º texto e último sobre o que penso a propósito das reações à morte de
Otelo Saraiva de Carvalho e que são mais do que uma apreciação a Otelo, um
retrato de nós, dos portugueses, como eu os vejo.
Aqui
fica o link, se tiverem paciência paro o abrir e um anexo em Word.
Com
os votos de boa saúde e elevada consideração
Carlos
Matos Gomes»
Comentários
As derivas de Otelo durante o PREC são compreensíveis e podem perdoar-se (exceto talvez o PCP que não perdoa à Extrema-Esquerda ter-lhe estragado o arranjinho).
O que não se perdoa é a ligação às FP-25 pela qual foi condenado (a amnistia não permitiu que os tribunais superiores se pronunciassem, pelo que fica o libelo acusatório dos juízes da primeira instância que consideraram provada a sua ligação a uma organização terrorista).
É que com essa atitude, Otelo procurou impor um outro regime, quando a larga maioria da população apoiava e apoia esta democracia de regras, imperfeita, em que vivemos. E que, imagine-se, até protege o direito à propriedade.
A único exercício de soberania que eu conheço e que não é sujeito a manipulação à vontade de uma qualquer elite (e basta olhar para a mediocridade das elites dirigentes dos Países do socialismo real para ficarmos estarrecidos com essas elites alternativas) é o do sufrágio direto e universal. E foi esse exercício que Otelo quis pôr em causa.
Merece um homem assim honras de Estado? Claro que não merece, merece o seu lugar inequívoco na História como a parteira da Liberdade, mas não mais do que isso. Só foi pena que o Governo não tenha assumido esta como a razão para não declarar o luto nacional, e não a desculpa esfarrapada que outros, mais merecedores do que ele, como Melo Antunes, não a tiveram.
Ainda ouvi dizer que se Spínola a merecia, também a merecia Otelo. Não, o infame brigadeiro da Operação Mar Verde, que levou ao recrudescimento da ofensiva do PAIGC e que depois proibiu a retirada de Guilege, tendo a Marinha que retirar soldados do lodo à socapa (o oficial responsável nunca viu reconhecida a sua ação porque um ato heroico não pode provir de uma insubordinação, mesmo que seja para salvar os camaradas), o arquiteto do MDLP e que queria ele próprio invadir Portugal, seguramente que não merecia tais honras e não se corrige um erro cometendo outro.
Infelizmente, há ainda uma certa Esquerda que depois do número incontável de vítimas causadas pelo terrorismo da ETA, das Brigadas Vermelhas e do IRA, e das 17 vítimas mortais das FP-25, uma delas um bebé de tenra idade, ainda continua a queimar incenso no altar da violência revolucionária. Como eu sempre digo, se o sofrimento dos outros não os compadece, deveriam ao menos lembrar-se do destino de Maximilien Robespierre!
Otelo pode ter ficado com aquela imagem do gajo porreiro (e algo simplório) que até criou engulhos a personagens sinistras como o dito cónego Melo, sucede que a nossa Revolução e a subsequente consolidação democrática não foram meros episódios cómicos dos quais nos podemos rir muitos anos depois. É, morreu gente. E a isto eu não acho manifestamente graça nenhuma.
Os leninistas de sofá gostam todos de se rir muito, são gente muito bem disposta, ele é pá isto e pá aquilo. Sempre queria ver o que sentiriam se tivessem tido familiares mortos pelas FP-25...