Salazar – o princípio do fim do ditador (3 de agosto de 1968)

Há cinquenta e quatro anos, depois de um calista lhe ter tratado os calos, algo que ele pisou aos portugueses durante quatro décadas, o ditador caiu. Estava de férias no Forte de Santo António da Barra, em São João do Estoril, e não no presídio, como devia.

O desejo do povo oprimido cumpriu-se, não pela força da justiça que merecia, mas pela força da gravidade que o projetou da cadeira, onde o caruncho laboriosamente fez o que devia, e não o susteve. Essa cadeira do nosso alívio devia estar no museu do fascismo, desconjuntada, para que pudéssemos homenageá-la e louvar-lhe a eficácia.

Dizia-se que lhe faltavam duas cadeiras, a elétrica e outra na cabeça, e seria a cadeira onde poisava que libertaria o país do mais longevo ditador europeu. O caruncho terá feito, no seu persistente labor, o que os patriotas não conseguiram, mas não era o fim que merecia.

Devia ter sido confrontado com os crimes do regime, com os massacres que permitiu, a Pide que criou, o medo que infundiu, as famílias que destruiu, as prisões que abriu para adversários, a tortura a presos, meio milhão de jovens que sacrificou na guerra colonial, a censura com que amordaçou a comunicação social, os assassinatos que consentiu ou ordenou, o apoio a Franco, a entrega dos fugitivos da guerra civil espanhola, para serem fuzilados, o analfabetismo, a fome e o atraso a que condenou o país, a discriminação da mulher, que promoveu, etc., etc..

As grotescas reuniões do Conselho de Ministros no hospital da Cruz Vermelha, onde os sequazes se deslocavam, persuadiam-no de que era ainda o Presidente do Conselho.

Há cinquenta e quatro anos, a guerra continuava no Niassa e em Cabo Delgado e já era esperada em Tete, e a boa notícia demorou a chegar a quem sabia que era injusta e inútil a criminosa guerra. No Niassa, esperei ainda que fossem breves as negociações de paz com a FRELIMO, mas tudo se agravou nos quinze meses seguintes que ainda ali sofri,

Seria hipócrita não dizer que a notícia me encheu de esperança, mas a libertação do jugo da ditadura só chegaria numa manhã de Abril, vários anos e muitas mortes depois.

Os nostálgicos do ruim defunto tanto rezarem pela sua ressurreição, com enorme acidez provocada pelo regime democrático, que já têm um grotesco avatar, com o seu bando, em histriónicas piruetas contra a democracia.

Podiam ter abreviado o sofrimento a Salazar, bastava anunciarem-lhe a sua substituição, mas os sicários eram tão cínicos e frios como ele.


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