NO PRINCÍPIO TAMBÉM ERA O MITO

Por Onofre Varela

O poeta latino Estácio, disse: Primus in orbe deos fecit timor (Foi o temor o primeiro a criar os deuses na Terra).
Não é preciso possuir grandes estudos modernos nem conceber complicadas teses de doutoramento para se perceber que nesta frase está contida a verdadeira razão que levou o Homem a criar deuses e a prestar-lhes culto.
O temor que sentimos no simples e tão natural acto de viver deve-se ao facto de termos a vida armadilhada. Primeiro, no tempo dos nossos avós criadores de mitos, a vida dos homens estava ameaçada pelas forças da Natureza, com tempestades medonhas, avalanches, cheias de rios com correntes imparáveis, vulcões e sismos destruidores, que se entendia ser a acção dos deuses zangados connosco.

A paz dos deuses seria a nossa protecção. Procurávamos consegui-la através de dádivas, ritos e orações em favor das mitologias que criávamos à medida das nossas necessidades.
Os mitos foram criados porque os homens adoram contar estórias e gostam de se identificar com elas. Por isso encontramos em alguns deles uma função prática. Foi exactamente para isso que os criamos.
Alguns mitos gregos são relatos alegóricos, quando não verdadeiras epopeias com forte ligação ao comportamento social de uma época dominada pelo exacerbado sentimento religioso. Em cada casa havia um altar para o culto aos deuses domésticos. Neste sentido, a sociedade actual não é muito diferente. Em todas as casas há alguma imagem religiosa, desde Fátima e Jesus Cristo (os dois ícones maiores da Igreja Católica), passando por uma panóplia de santinhas e santinhos.
Eu próprio transporto no porta-moedas uma minúscula imagem do santo Onofre, por honra a minha mãe que ma ofereceu, dizendo ser “o padroeiro do meu nome”, acrescentando-lhe a faculdade de “o santo Onofre dar dinheiro para o bolso, para a carteira e para o cofre”… o que aceitei com um sorriso de cumplicidade e conservo a imagem em honra da sua memória!
De entre as razões que nos levaram à criação dos mitos, encontra-se esta meia dúzia delas:
1 – Explicavam fenómenos naturais, como o nascimento e a morte de animais e plantas.
2 – Ajudavam a manter a união do clã, da tribo ou da nação, pela partilha de um culto.
3 – Eram exemplos comportamentais para os seguirmos. Os deuses eram bélicos, como os homens deviam ser, mas possuíam virtudes, as quais os homens se obrigavam a imitar por devoção.
4 – Justificavam estruturas sociais, já que os deuses também obedeciam a elas.
5 – Serviam para registar acontecimentos históricos e identificar o povo com eles. Tais são os exemplos das comunidades babilónica e judaica. Esta, no relato da sua origem divina, afirma ser o “Povo eleito de Deus”.
6 – Serviam os poderosos (e ainda servem), para controlarem o Povo que sempre se submeteu à proclamação da autoridade dos deuses investida nos sacerdotes e chefes tribais.
As benesses dos deuses (de Deus) que, hipoteticamente, os crentes receberiam pós-morten continuam, ainda hoje, a servir os próprios crentes e, por arrasto, os exploradores da ideia do divino que obedece a uma necessidade ancestral sentida desde o Homem mais primitivo até hoje, quer nas aldeias mais remotas, quer nas cidades mais modernas.
(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

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