Os poderes do PR e o regime democrático #poderesdoPR
A Constituição Portuguesa de 1976 começou por ser semipresidencial, atribuindo ao PR poderes significativos, incluindo governos de iniciativa presidencial.
Cedo se revelou inadequada para a estabilidade do regime,
motivo por que Mário Soares e Sá Carneiro promoveram a revisão dos poderes do
PR, de forma, aliás, pouco elegante para Ramalho Eanes cujas ambições o levaram
a criar novo partido, a partir de S. Bento.
Essa revisão, justa, transformou o regime semipresidencial
em claramente parlamentar e o PR em árbitro responsável pelo regular
funcionamento das instituições.
Quando Mário Soares o substituiu na presidência sentiu-se
esvaziado de poderes e criou a perturbadora magistratura de influência através
da comunicação social. Pese embora o facto de ser a grande figura da República,
não foi virtuosa a sua intervenção no espaço mediático, mas era suficientemente
sensato e democrata para evitar a dissolução da AR com uma maioria estável.
Seguiu-se a presidência de Jorge Sampaio a desempenhar com
raro virtuosismo o papel que a CRP reserva às funções presidenciais. Depois veio
Cavaco, com falta de dimensão cívica para o exercício das funções. A direita
democrática há de arrepender-se de ter permitido que uma reunião em casa de
Ricardo Salgado, com a presença dos casais Marcelo, Durão Barroso e Cavaco,
tenha impedido a candidatura natural de Freitas do Amaral, com outra cultura e
formação democrática.
Quando Marcelo, popular comentador televisivo, culto e
inteligente, substituiu Cavaco gerou uma onda de simpatia que manteve até à
reeleição. Depois disso é que a perfídia e o dissimulado reacionarismo se
manifestaram na exuberância do construtor de cenários que não hesitou em
sacrificar a reputação ao serviço da contrarrevolução.
A frustração com o golpe de Marcelo leva os portugueses a
apostar na eleição do futuro PR para a vingança partidária, em vez de uma
personalidade sensata e democrática para assegurar o regular funcionamento das instituições,
um verdadeiro árbitro.
Só há uma forma de evitar que um comediante qualquer, com
grande empatia mediática, possa ocupar de novo o Palácio de Belém, proceder à
sua eleição através de 2/3 dos deputados. Os poderes atuais são os necessários
e suficientes para o órgão unipessoal.
Não é menos democrático o escrutínio por quem tem
legitimidade popular, os deputados dos diversos partidos. A exigência de 2/3
dos deputados em funções obrigará os partidos a negociar e a escolher uma
personalidade adequada às funções.
Não me atribuo importância suficiente para poder influenciar
a opinião pública, mas é uma ideia que pode ser útil e ter sucesso.
Comentários
No pensamento político de Benjamin Constant (pensador e político francês, 1767-1830) sobre a liberdade, a democracia e a origem e limites do poder político, figura na história do constitucionalismo, como construção doutrinária original aquilo que intitulou de “poder neutro”, que constituía um poder intermédio entre o poder legislativo e o executivo, e visava obstar às consequências nocivas de um entendimento rígido da teoria da separação dos poderes, destinando-se a evitar conflitos que enfraquecessem ou paralisassem a actuação do Poder. Apesar de uma tal construção doutrinária realizada num contexto histórico muito diferente, a sua influência sente-se ainda hoje.
De facto, a leitura dominante do estatuto do Presidente da República, tal como se encontra consagrado na CRP de 1976, é precisamente a de encarar este órgão dotado de um "poder moderador" (tal como foi designado na Carta Constitucional de 1826, sobre o poder real, mas que corresponde ao que B. Constant designou justamente como "poder neutro") como uma figura supra-partes, independente e com funções de arbitragem política (vidé Marco Caldeira “O Poder Neutro – Benjamin Constant e o Constitucionalismo Português”, Chiado Editora, 2016).
Ao contrário do que sucede nos sistemas presidencialistas em que os Presidentes da República são titulares ou co-titulares das funções executivas (como em França) e, por isso, são eleitos numa base partidária, ela não se verifica entre nós, onde o PR exerce esse “poder neutro” no sistema político, como árbitro independente e imparcial.
Acresce que o PR-Marcelo, antes de ocupar o Palácio de Belém, foi deputado à Assembleia Constituinte tendo contribuído decisivamente para a feitura da Constituição de 1976, e mais tarde foi Professor de Direito Constitucional na FDUCL, razão porque conhece, melhor do que ninguém, o regime constitucional vigente e os (limites) dos poderes presidenciais consagrados na CRP. Mas, ao que parece, uma vez eleito Presidente da República, o PR-Marcelo entrou em conflito com o Professor de Direito Constitucional, interpretando os poderes do Presidente à revelia do seu manual académico (“Constituição da Republica Portuguesa Comentada”, 2000) e do que ensinava na Faculdade, ao assumir, neste segundo mandato, o papel da oposição ao anterior governo de António Costa, o que manifestamente não cabe na sua função constitucional de "poder moderador" e com o qual poria em causa e ser o responsável pela destruição do regime constitucional da 2.ª República.
Agora, pelos vistos, com o apoio à actual governação de Luís Montenegro não deixa de prosseguir essa função de interferência no poder executivo, orientado apenas por razões de preferência (apoio ao actual governo da AD) ou de animosidade político-partidária (anterior governo do PS).
O “pior Presidente da República”, como até um comentador da sua área política já o intitulou.