Cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de 2024

Anda aí grande excitação na Europa contra a Festa, uma cena criada para a abertura dos Jogos Olímpicos de Paris. É irrelevante se era uma alusão ao Cristo da Última Ceia de Leonardo da Vinci ou uma evocação do deus Baco, como alegou o autor, o que está em causa é a liberdade de expressão e a vontade de a amordaçar.

Os bispos franceses, nunca conformados com a Laicidade constitucionalmente protegida desde 1905, logo criticaram o quadro, e o Vaticano manteve prudente silêncio. Quem se juntou aos bispos franceses foi o presidente turco, o islamita Erdogan, a apelar ao Papa Francisco para expressar uma posição sobre a Feta, incentivando-o a juntar-se a si e a levantar a voz contra atos que, na sua opinião, “ridicularizam os valores morais e religiosos e atropelam os valores humanos”.

Não é de crer que o islamita turco seja particularmente sensível à iconografia cristã nem aos valores humanos, mas foi assim que, mais de uma semana depois, no último sábado, “A Santa Sé se juntou às vozes dos últimos dias para lamentar a ofensa causada a muitos cristãos e a crentes de outras religiões”.

É de crer que o Papa recordasse a posição de cumplicidade do Vaticano com a fatwa do aiatola Khomeini contra Salman Rushdie, tornando-se moralmente cúmplice da fúria assassina do devoto que reiteradamente esfaqueou o escritor em demente zelo religioso. E compreende-se que o Vaticano acrescentasse: “A liberdade de expressão, que evidentemente não é questionada, apenas é limitada pelo respeito pelo próximo”.

O direito de protestar é legítimo, tão legítimo como a manifestação artística que lhe deu origem, mas do que se tratou, perante um coro de apoios, foi da justificação da censura.

No dia em que não se puderem ridicularizar as ideias religiosas, políticas ou filosóficas, incluindo o ateísmo e as práticas litúrgicas, franqueiam-se as portas aos totalitarismos.

Sem a implacável defesa da liberdade de expressão deixamos as democracias liberais à mercê dos fascistas que as combatem com recurso à bala, ao chicote, à faca ou ao cinto de explosivos.

Festa.

Comentários

Lúcio Ferro disse…
"No dia em que não se puderem ridicularizar as ideias religiosas, políticas ou filosóficas, incluindo o ateísmo e as práticas litúrgicas (...)". Isso não está minimamente em causa, há décadas para não dizer séculos que se faz sátira e se ridicularizam ideias. Não há problema nenhum com isso. No caso do Cristianismo, basta pensar em a Vida de Brian filmado há décadas dos Monty Pyton. Não é isso que está em causa. O que está em causa foi palco escolhido para o fazer. Os ideais olímpicos são os do acolhimento e da aceitação da sã convivência entre diversos credos, políticos, religiosos e outros, unidos pelo desporto. A mensagem dos Olímpicos é a de que o desporto une os diversos povos, numa base de respeito mútuo pelas diferenças entre os seres humanos. O que se fez na cerimónia de abertura foi exatamente o oposto. Foi uma provocação e foi o enaltecer de um ideário específico por oposição a outros. Nesse sentido, deveria envergonhar qualquer pessoa de bem, incluindo ateus, entre os quais me incluo.
Lúcio Ferro:

Não é a minha posição, mas é tão legítima a sua como a minha.

Obrigado pelo comentário.

ce

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