Indeferido, para que sim… (minicrónica)
Indeferido, para que sim…
Naquele tempo os juízes não podiam alvitrar quem os Governadores Civis, designados pelo ministro do Interior, podiam nomear para presidentes das Câmaras Municipais.
Então, num concelho a norte de Viseu, foi nomeado para os Paços do Concelho um edil de letras grossas, temente a Deus, respeitador da ordem e cuja política era o trabalho.
Um amigo, durante uma conversa, pediu-lhe permissão para construir uma casa num terreno herdado dos pais, e logo o autarca lhe garantiu a autorização. Bastava meter o pedido à Câmara.
Algum tempo depois o presidente reparou que tinha perdido o amigo, que este o evitava e deixara de lhe falar. Indignado, foi pedir-lhe explicações do insólito comportamento, ouvindo o que não gostou, pois tinha faltado à promessa e negado a licença prometida.
Que não podia ser, que nunca trairia uma promessa, que jamais obstaria à construção da casa – garantia o presidente –, e para provar a sinceridade convidou-o a ir à Câmara para ver o ‘processo’ que assinara. Lá estava o dito processo com uma palavra manuscrita: “Indeferido”, data e assinatura.
- Vês? Ainda por cima és mentiroso. Indeferido!
O presidente, apercebendo-se do equívoco, logo acrescentou “vírgula, para que sim”, e remediou o mal-entendido. “Indeferido, para que sim”.
E, chamando o contínuo, mandou-o entregar o processo ao engenheiro das obras.
Apostila – O cronista lembrou-se desta estória, ocorrida há muitas décadas, por causa de atos lícitos, ilícitos, que ora chegaram a julgamento após uma longa década em que, só até abril de 2021, tinham inspirado 56.238 folhas de prosa distribuída por 146 volumes.
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