Instituto para as Obras Religiosas (IOR), máfia, negócios e santidade
Não foi só em Portugal que os escândalos bancários e as falências destruíram capitais e lesaram a honra da fina flor do cavaquismo que lhes esteve ligada.
O que sucedeu em Portugal com o BPN, BPP e BANIF, com um
único suicídio numa prisão da África do Sul teve uma equivalência mais ruidosa
no único Estado europeu sem maternidade. É esse caso que hoje recordo com
alguma ironia face à tragédia:
O Banco do Vaticano, conhecido pelo pseudónimo de IOR, foi
criado pelo quase santo Pio XII, sob pretexto de guardar as esmolas das caixas
e de outros recipientes pios onde os donativos, de quem queria lavar a alma,
chegavam em quantias avantajadas.
Foi o papa Paulo VI, decidido a escapar ao cerco fiscal do
Governo italiano, que exigiu “o pagamento de todos os lucros retroativos sobre
investimentos, o que ultrapassava mil milhões de euros atuais”, que começou a
expatriar grandes quantias de dinheiro do IOR.
Foi auxiliado pelo devoto banqueiro siciliano Michele
Sindona, que controlava o envio de capitais da máfia, e pelo arcebispo
Marcinkus, banqueiro de Deus. Sindona, dirigente do banco suíço Finbank e da
Banca Privata Italiana, e Marcinkus controlaram “a mais maciça das exportações
de capitais jamais ocorrida aos subterrâneos do Swiss Bank, em parceria com a
Santa Sé”. Alargada a rede, Sindona e Marcinkus associaram ao tráfico outro
banqueiro, Roberto Calvi, do Banco Ambrosiano.
Preso na prisão de alta segurança de Voghera, Sindona
prometeu fazer revelações, mas morreu na sua cela, ao ingerir distraidamente
café com cianeto de potássio. O inquérito sobre a morte concluiu que se tratara
de suicídio. Deus não dorme. 😉
Roberto Calvi suicidou-se, enfiando o pescoço no laço de uma
corda dependurada numa ponte de Londres, suicídio que, após exumação, 16 anos
depois, se demonstrou ter sido por estrangulamento em um terreno baldio, perto
da ponte onde foi encontrado, e depois pendurado. Quiçá para simular suicídio! 😊
Na fraude do Banco Ambrosiano participou também Licio Gelli,
que combateu ao lado de Franco, enviado por Mussolini, e informador da Gestapo
na 2.ª Guerra Mundial. Este amigo de Hermann Goering, tornou-se conhecido pelo
envolvimento nas mortes de Aldo Moro, "Mino" Pecorelli, Roberto
Calvi, João Paulo I e outros, além de numerosos comunistas. Acabou em prisão
domiciliária, decerto dedicado à oração e penitência.
Não se sabe se Deus existe e se perdoa, mas a máfia não
desculpa, por maior que seja a devoção ou a generosidade pia dos Padrinhos. Não
surpreendeu, pois, que o arcebispo Marcinkus, reclamado para ser julgado em
Roma, fosse protegido por João Paulo II, que negou a extradição pedida,
evitando ao dileto a prisão e a si próprio alguma indiscrição que lhe estorvasse
a canonização.
Francisco foi o primeiro Papa a ir ao coração da máfia
calabresa e que ousou enfrentá-la: “Aqueles que durante a vida escolheram a via
do mal, como os mafiosos, estão excomungados”.
A atitude inédita do Papa, inverteu a política do IOR, sob
pressão internacional. E perdeu certamente os melhores clientes!
A suspeita de que a Igreja católica beneficiou do ouro que
os assassinos em série croatas roubaram às vítimas judias e sérvias possa ter
ido parar ao Vaticano mantem-se, graças à recusa em permitir o acesso aos seus
arquivos, ao contrário do que fez o Governo Suíço, em relação aos seus bancos.
Igual determinação do Papa Francisco, à que usou para
subtrair ao crime o IOR, poderia ter esclarecido a suspeição que perdura sobre
o offshore do Vaticano.
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