Ireneu Teixeira - Um texto fabuloso
Ireneu Teixeira
Edição Mass Media

O Hamlet de Haia, o Nietzsche de Nampula
Ireneu Teixeira, o mais recente pensador da moda em certos salões decrépitos onde se bebe gin artesanal e se diz “geopolítica” com a boca cheia de gravidade e grão-de-bico, apresenta-se ao mundo como “o filósofo das guerras deste século”.
Um título, convenhamos, que só pode ter sido cunhado num retiro espiritual patrocinado por uma fundação obscura ou num PowerPoint feito às três da manhã por um estagiário mal pago e pior alimentado.
Este Ireneu, que não se deve confundir com o santo homónimo, embora também pregue o martírio, só que em conferências TEDx de Coimbra a Kandahar, tem-se destacado por teorizar sobre conflitos como quem comenta táticas de xadrez num café de terceira idade, com muita segurança, pouca utilidade e um olhar vago perdido entre o tabuleiro e a decadência.
Entre os seus aforismos favoritos estão pérolas como "A guerra é a gramática da civilização que perdeu a eloquência." Poético, sim, profundo, talvez, mas sobretudo insondável no sentido mais literal possível. Lê-se Ireneu como quem tenta decifrar o manual de instruções de um micro-ondas escrito em aramaico, uma experiência mística com fortes probabilidades de queimadura cerebral.
Nas entrevistas, Ireneu fala com aquele tom de voz que só se adquire depois de dois mestrados, um trauma emocional mal resolvido e um curso de dicção numa escola de teatro subsidiada pela União Europeia. Responde a perguntas simples com silêncios carregados de significado e com frases como “a paz é o intervalo entre dois algoritmos de dominação”, deixando o entrevistador num estado de catatonia estética.
Mas não se pense que o nosso guerreiro de papel se limita à reflexão, porque Ireneu é presença constante em fóruns internacionais, onde se senta entre generais reformados e influenciadores de LinkedIn, discursando sobre drones assassinos como quem fala de inteligência emocional em startups. Já foi visto a tentar explicar a “ética da destruição propositiva” a um coronel ucraniano que só queria saber se havia café.
Curiosamente, Ireneu nunca serviu num exército, nunca pisou uma trincheira, excepto a do Instagram, onde luta diariamente contra a irrelevância, e a sua maior batalha pessoal terá sido a recusa da sua tese de doutoramento na primeira tentativa, por “excessiva nebulosidade argumentativa”. Segundo consta, dizem as más línguas, o reitor ainda hoje está em coma após tentar entender o segundo parágrafo.
Ireneu Teixeira não pensa a guerra, ele desfila sobre ela em passarelas intelectuais, de boina torta e olhos semicerrados, como quem viu o horror, mas só no cinema iraniano. E nós, pobres mortais, assistimos ao espetáculo, entre o encolher de ombros e a vontade súbita de invadir bibliotecas públicas, apenas para queimá-las por dentro, em legítima defesa da sanidade.
Vivemos uma época em que os filósofos deixaram de fumar cachimbo e passaram a acender drones com isqueiros cheios de ética. E no epicentro desta combustão controlada está ele, Ireneu Teixeira, o pensador que nos trouxe a dúvida cruel, não entre ser ou não ser, mas entre atacar com sanções simbólicas ou com ogivas de carbono neutro.
Teixeira é aquilo que se poderia chamar de um “intelectual paramilitar”, não no sentido literal, claro, nunca pegou numa arma que não fosse estilográfica, e mesmo essa, usada com luvas de cabedal vegano para não sujar as mãos com sangue epistemológico. Mas isso não o impede de interpretar a geopolítica global com a segurança de um carteiro a distribuir cartas num campo de minas que ele próprio desenhou numa servilleta da ONU.
No seu mais recente livro, “Dialéctica da Bala Inteligente, conflito, cognoscível e selfie”, Ireneu propõe uma tese ousada, que as guerras do futuro não serão travadas por exércitos, mas por hashtags, porque para ele, o verdadeiro campo de batalha é o feed do TikTok, de tal forma que, Sun Tzu, se vivesse hoje, seria social media manager de uma empresa de armamento com sede em Genebra e filial em Silicon Valley.
Trágico? Talvez. Mas Ireneu, esse, dança sobre a tragédia com sapatos de verniz teórico e uma ironia que só os bem alimentados conseguem sustentar. Fala da dor do mundo com um sorriso de brunch filosófico, como quem analisa a carnificina em Gaza com a mesma inflexão usada para descrever o minimalismo escandinavo.
Não é por acaso que o seu apelido,Teixeira, já circula em Washington e Bruxelas com uma reverência semi-culta, pronunciado com sotaques que variam entre o “Tchechêrràh” e o “Taxeira”, como se fosse uma marca de vinho existencialista ou um detergente para consciências sujas.
Nas conferências, os olhos brilham quando ele cita Kant com uma inflexão de quem está prestes a anunciar um novo iPhone. Os generais abanam a cabeça com entusiasmo, sem perceberem nada, mas confiantes de que aquela frase, “A soberania é a libido do Estado travestida de soft power”, vai ficar bem num power point antes do bombardeamento de precisão.
Mas o mais fascinante, em Ireneu, não é o que diz, é a forma como o diz, entre o suspiro e a pose, com um ar de quem carrega o peso do mundo nos ombros, embora esse mundo seja um globo inflável comprado numa loja de museu contemporâneo.
A sua dor é estética, a sua angústia é curada com aplausos, e as suas lágrimas, se surgirem, serão filtradas em sépia por um documentário da BBC.
Afinal, que tragédia maior há do que ver um homem convicto de que o sofrimento humano precisa, antes de tudo, de um enquadramento teórico e de um subtítulo catchy?
Ireneu é o produto de uma época em que a guerra é vendida como “narrativa em disputa” e a bomba atómica é relativizada por um ensaio de opinião no Le Monde Diplomatique.
Um mundo onde filósofos de sofá, como ele, se tornaram os DJs morais das catástrofes humanitárias, misturando referências, lançando beats hegelianos e metendo toda a gente a dançar sobre os escombros com auriculares de ignorância feliz.
E assim segue Ireneu Teixeira, de caderno Moleskine em punho e passaporte diplomático na lapela, pronto a teorizar sobre o Armagedão com a mesma solenidade com que se comenta a eliminação do Benfica. Um funâmbulo da razão, equilibrando-se entre a ruína e o relance, numa tragicomédia que começa em Sócrates e termina num slide de PowerPoint com transição em fade.
A tragédia é global, a comédia é local, e Ireneu, ah, Ireneu, é o maestro deste cabaré do absurdo, onde a única arma que nunca dispara, é o bom senso.
A este ritmo, o próximo Nobel da Paz será atribuído a um míssil balístico... com prefácio de Ireneu Teixeira.
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