10 de Junho – Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades
O 10 de Junho nasceu com a República, como feriado municipal, exclusivo de Lisboa. Que Camões merece o reconhecimento do povo português é evidente. Que o preito lhe seja prestado no dia da morte justifica-o o desconhecimento do dia de nascimento. Que alguém ignore os dez cantos dos Lusíadas só o desprezo pela cultura o explica. Que a lírica camoniana seja votada ao abandono só a iliteracia o desculpa.
A exaltação da data, a nível nacional, deve-se ao salazarismo que aproveitou os heróis da República, expurgando-os do sentido positivista e laico que os republicanos lhes atribuíram, e introduzindo um sentido nacionalista adequado à propaganda fascista.
Esta é a história do 10 de Junho, data tornada fúnebre pela presença sinistra de Américo Tomás junto de viúvas, órfãos e estropiados da guerra colonial para exaltar o sacrifício inútil das vítimas. Era o dia de impor veneras e glorificar a ocupação militar do império colonial. O salazarismo confiscou a alma do poeta que morreu na miséria para glorificar o regime e exaltar a miséria a que condenou o povo.
Não tendo a democracia alterado o ritual, com o andar dos tempos, cada vez mais a data de hoje recupera a liturgia salazarista e, por estranha ação mimética, cada vez mais os atores de hoje se confundem com os de então.
A culpa não é do atual PR, ainda que vá amanhã homenagear um ministro de Salazar. Vem de trás, por inércia, o hábito de manter o dia e o ritual e amanhã lá estarão de peito inchado, à espera da venera, alguns cujo perfil aponta para quem prefere crisântemos a cravos e um requiem à Grândola.
Se o 5 de Outubro e o 25 de Abril não são os dias lídimos de Portugal então prefiro um feriado municipal ou a quinta-feira da assunção porque têm a vantagem de não se saber quando ocorrem e raramente o que representam.
Se a democracia não corta com o passado que herdou da ditadura arrisca-se a repetir os mesmos gestos simbólicos com outros atores e estes, num insólito mimetismo, acabam por se confundir com os predecessores defuntos.
Posso ser injusto mas Cavaco, eleito democraticamente, já me parece o Tomás à civil.
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