França – A segunda volta das eleições presidenciais

Amanhã, dia 8 de maio, assinala-se o 72.º aniversário da derrota do nazi-fascismo, com a Europa destroçada pela guerra e a lamber as feridas de utopias nacionalistas e racistas de homens julgados providenciais.

A demência autoritária dos vencidos deixou marcas tão dolorosas que os partidos do pós-guerra trouxeram na matriz o horror às ditaduras. Quer os partidos conservadores e democrata-cristãos, quer os sociais-democratas (também designados por socialistas ou trabalhistas), cuidaram de expurgar do seu seio os cúmplices do nazismo e do fascismo, ainda que tenham consentido na Península Ibérica a permanência dos dois ditadores, um deles o maior genocida da História dos povos peninsulares.

De Gaulle, conservador, nacionalizou os bancos que se cumpliciaram com as ditaduras, e, mais tarde, diria estar arrependido de não os ter nacionalizado todos. Até os partidos conservadores viram o perigo de a política ficar refém do poder económico e financeiro.

 O primado da política foi esmorecendo e apareceram os arrivistas que se reclamavam de apolíticos e/ou independentes.

A amnésia coletiva permitiu que os demónios ressuscitassem, que o autoritarismo fosse de novo aceite, que a política esteja hoje à mercê do poder económico e da concentração da riqueza em cada vez menor número de mãos.

A direita resvala para sua direita e a esquerda segue-a. A extrema-direita é a opção que aparece como única alternativa. Um presidente, um governo e um partido podem surgir do desamor à política cultivado pela comunicação social nas mãos do poder económico.

Hoje, em França, Macron, surgido do banco Rothschild e da efémera passagem por um governo, venceu as eleições presidenciais graças ao medo de um apelido, de uma praxis e de um reiterado negacionismo do Holocausto. Ao medo dos franceses devemos este alívio que ora sentimos, mas não é saudável que alguém sem passado, sem jamais se ter submetido ao escrutínio popular, possa ter saído vencedor de umas eleições e possa ser o criador de um novo e promissor partido, sem ideologia.

Obrigado, Macron. Todos os democratas europeus quiseram essa vitória. Apenas Putin e Trump preferiam Marine le Pen. Pior do que a fragilidade da democracia que o levou ao poder é a dimensão dos votos antidemocráticos que sufragaram a extrema-direita.

Com a perigosa abstenção de ¼ dos franceses, a provável votação de 65% em Macron, deixa para a extrema-direita mais de 1 em cada 3 franceses e a certeza de que foi o mal menor a decidir alguns.

Por ora, mantemos a esperança, mas cresce o receio no futuro. Veremos o que acontece em junho.

Comentários

e-pá! disse…
A eleição para a presidência da República Francesa de Emmanuel Macron é um acontecimento salutar para a Democracia já que, objectivamente, travou a cavalgada arrogante da Extrema-Direita fascizante. Per si não vai resolver os problemas que atingem (e afligem) em larga escala os franceses e as francesas. A contenção de uma reacção populista em crescendo criou um intermezzo (espaço político) que terá de ser aproveitado para repensar uma outra França, a dos cidadãos e, complementarmente, corrigir (alterar profundamente) as políticas comuns europeias, co-responsáveis pela degradação do espaço económico e social.
A travagem da progressiva ascensão da Frente Nacional que, de 2002 até 2017, quase duplicou a sua influência eleitoral, não é uma tarefa que possa ser endossada, em exclusividade, a Emmanuel Macron. Não existem, na política, homens providenciais. O grande protagonista da História e das mudanças, das reformas e até das revoluções é, e sempre foi, o povo (para usar uma terminologia directa e abrangente).
Macron necessita do contributo de todos os democratas gauleses, coisa que a sua base de apoio heterogénea não congrega agora, nem se divisa a capacidade de o fazer a curto prazo (nas Legislativas). Macron nunca terá êxito, se a Esquerda, neste momento desbaratada (com claros indícios de destruição), representando pouco mais do que 25% do eleitorado (resultados da 1ª. volta), não for capaz de reorganizar-se e qual Fénix ‘renascer das cinzas’ e possa dar força e sentido a um projecto de mudança que tenha uma doutrina. Hoje, não chega, nem faz sentido, afirmar-se - tout court - como ‘um liberal’. Dos escombros da destruição da Esquerda só resultará a progressão da Extrema-Direita.
Por outro lado, não será com certeza um político que faz gala de se apresentar como ‘não sendo nem de Esquerda nem de Direita’ que poderá travar este combate (democrático) tão fundamental para a Democracia. A Extrema-Direita tem por detrás das suas manobras um arsenal ideológico exibido num dissimulado e requintado (requentado) contexto demagógico e populista que não pode ser ignorado. Não será um ‘Centrão’, apetrechado tecnologicamente, ‘financeirista’, monetarista, mercantilista, mas vazio de ideias políticas que terá capacidade para reverter a situação degradante que se instalou em França (e em muitos países europeus)
A vitória de Macron – tal como se ‘construiu’ neste último domingo - tem como grande missão a reversão da implantação de um populismo ultra-nacionalista e fascizante que ‘contaminou’ cera de 11 milhões de franceses e francesas. Tal só será possível com um duro combate ideológico e, portanto, só exequível se a Esquerda conseguir recuperar deste desaire. O colapso da Esquerda (pese embora os bons resultados de Mélenchon) terá forçosamente de ser um fenómeno (episódio) momentâneo. Se não for assim, se essa ‘debacle’ perdurar, a vitória de Macron não passará do espectáculo ganhador de uma ‘batalha pírrica’ (com os resultados que conhecemos).

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