Estado laico ou protetorado do Vaticano?
Ensino Moral e religião católica (EMRC)
Dados do relatório da Inspeção-Geral de Finanças, divulgado em 2016, e noticiado pelo semanário Expresso, em 23-12-2016.
«No biénio 2013/2014, o Estado concedeu 63 milhões de euros de benefícios fiscais aos colégios, que se somaram aos 388 milhões de euros que receberam em apoios diretos. A denúncia é da Inspeção-Geral de Finanças que critica a falta de controlo do Estado sobre um total de 451 milhões transferidos para os colégios.
Segundo o Correio da Manhã, a auditoria da IGF detetou falhas no controlo do destino dado ao dinheiro dos contribuintes. “Os documentos de prestação de contas” dos colégios “carecem de procedimentos de controlo pela Direção-Geral da Administração Escolar”, revela o relatório.
A maioria dos colégios “não publicita os apoios públicos que recebe” afirma a IGF acrescentando que “alguns dos maiores beneficiários de contratos de associação não cumprem o dever de divulgação das mensalidades praticadas nem a autorização de funcionamento do estabelecimento.” Também nos contratos simples a auditoria verificou “insuficiência na confirmação da situação socioeconómica do agregado familiar de alunos candidatos a apoios” a quem o Estado financia a frequência no colégio.»
Comentários
Todavia, para além da liberdade religiosa formal existe um outro terreno absolutamente minado. Trata-se dos privilégios que uma das religiões disfruta, baseado num estatuto consuetudinário e alicerçado numa atávica inércia gravitante ao redor de uma arreigada tradição. A Lei da Liberdade Religiosa (Lei 16/2001 link) logo no seu artigo 2º estipula o princípio da igualdade entre as religiões e os seus praticantes, banindo os privilégios, os benefícios, as isenções, as perseguições, as privações de direitos e deveres.
Não é esta a realidade nacional nem a prática quotidiana no (separado) relacionamento entre o Estado e as religiões.
A garantia de privilégios e discriminações, sejam quais forem os argumentos, por parte da ICAR, e o recurso a acordos e tratados internacionais, dos quais o mais gritante é a existência de uma Concordata (revogada ou não), constitui um sério revés – quando não uma incompatibilidade - para a aplicação da Lei da Liberdade Religiosa.
O País que desde a sua fundação prestou vassalagem ao Vaticano (ou a Roma) cumprindo o estipulado para a época e ainda por cima pagava para beneficiar da ‘divina protecção’ (Sancho II é um exemplo desta 'obediência').
O mesmo País que pretendeu divulgar (e justificar) a saga dos Descobrimentos como sendo ‘a dilatação da Fé e do Império’ agiu com a hipócrita subtileza missionária para esconder propósitos expansionistas.
Finalmente, não deve ser esquecido que instituímos cá dentro uma Inquisição, que durou 250 anos, tornando-se uma das mais longevas da Europa e que dilacerou o País com um secular conflito entre cristãos e judeus que ainda hoje revelam persistentes cicatrizes.
No presente, para além da vigência de uma injustificável Concordata verifica-se que esta mesma suporta (abre portas a) um sinuoso regime de financiamento público de actividades (religiosas, caritativas e sociais) sem qualquer controlo contabilístico oficial e em concomitância com um interminável rol de isenções fiscais, absolutamente obsceno, enquanto os seus ‘fiéis’ estão a ser esmagados por uma brutal carga fiscal. Um perverso mecanismo de ‘solidariedade fiscal’.
Interessaria compreender, por exemplo, como foi possível que a Caritas de Lisboa, durante os difíceis anos de crise foi capaz de juntar um vultuoso saldo (2,4 milhões de euros link), na sua conta corrente, como uma prudencial ‘almofada financeira’. Almofadas há muitas (como os chapéus) mas a confusão entre elas é torpe e aviltante, servindo para enganar incautos. Transformar uma almofada financeira numa prestação social é um puro malabarismo, ou então, entrando nas questões de fé, um ‘milagre’. Na verdade, o crescimento exponencial do chamado Terceiro Sector (social) que se verificou na recente crise, em nítido contra-ciclo, no contexto económico nacional (recessivo), revela tratar-se de uma área completamente (voluntariosamente) desregulada, como convém ao modelo liberal e onde a ‘caridadezinha’ avulsa, circunscrita e, muitas vezes, seletiva, abafa e estrangula a necessária universalidade da solidariedade social.
Existem, no terreno, muitos ‘players’ em roda livre: Misericórdias, Mutualidades, IPSS, ONG´s, Fundações, etc. …
Fica por divisar se este 3º. sector – muito informal – está (ou não) a formatar uma economia paralela e o Estado, imprudentemente, a 'ajudar' a desenvolver esta iniquidade.