VISITA DO PAPA A FÁTIMA
Crónica de um ateu perante a visita papal
15:02 por SÁBADO0
O presidente da Associação Ateísta Portuguesa, Carlos Esperança, sujeitou-se à penitência, como o próprio a classificou, e assistiu à visita do papa Francisco a Fátima.
«Não veio como chefe do único Estado sem maternidade, veio, nas suas palavras, como peregrino, mas aguardavam-no as genuflexões pias e os beiços ávidos do beija-mão, de crentes ilustres movidos pela fé e pelos vídeos promocionais do PR e de Zita Seabra.
O avião papal percorreu o espaço aéreo nacional escoltado por dois caças da F.A., quiçá para provar aos incréus que o céu existe, porque nele circulam aves, insetos e aeronaves, mas não há registo da navegação aérea da Sr.ª de Fátima, criada pelo clero português, há um século, contra a República.
O Papa Francisco, enviado da Cúria, trouxe os diplomas de canonização de Francisco e Jacinta, que, depois de longa defunção, obraram em joint venture o milagre da D. Emília de Jesus, a entrevadinha que morreu totalmente curada, seis meses depois. Impondo a canonização dois milagres, não se furtaram os defuntos a curar uma criança com "perda de material cerebral" que, depois de transportada "ao hospital, em coma, foi operada", no Brasil, e os médicos disseram que, "caso sobrevivesse, viveria em estado vegetativo ou, no máximo, com graves deficiências cognitivas". Valeu-lhe o pai. Pediu à Sr.ª de Fátima e aos pastorinhos a cura do Lucas, caído de 7 metros de altura. Curou-se em três dias. É o troféu dos defuntos que, para as canonizações, careciam do milagre como os diabéticos de insulina para a doença.
Não havendo na Cova da Iria infraestruturas para aviões, requisito desnecessário para a Virgem, o CEO da multinacional da fé católica, aterrou no aeroporto de Monte Real, a 54 km da sucursal.
O Papa deixou uma mensagem à tripulação do avião que o trouxe: «Esta viagem é algo especial, uma viagem de oração de encontro com o Senhor e com a santa mãe de Deus», mas quem encontrou na Base Aérea de Monte Real foi o PR, incapaz de se conter no beija-mão, o presidente da AR e o PM.
Às 17H10, após cumprimentar a referida trindade e outros dignitários da República, fez uma visita à capela da Base Aérea e um curto rali de saudações e beijos. Esperava-o um helicóptero, para voar baixinho e surgir em Fátima, onde era aguardado por centenas de milhares de crentes em apoteose, alguns, com calos nos joelhos, outros, com bolhas nos pés, e todos em êxtase pio, com os olhos no céu, à espera do Papa.
A chegada de Francisco a Fátima foi a 5.ª aparição de um Papa, depois das de Paulo VI, há 50 anos, de João Paulo II (2), reincidente, e de Bento XVI, todas bem documentadas, ao contrário das que, em igual número, ocorreram numa azinheira local, para gáudio de três crianças, em que só uma via e ouvia, visões que, sucessivamente alteradas, revistas e aumentadas, se converteram em aparições.
Eram 17h40 quando os três helicópteros que levaram o Papa e a sua comitiva até Fátima sobrevoaram o céu do Santuário (o céu existe), antes de aterrarem no estádio da cidade. Depois, foi a viagem em papamóvel por entre a multidão ansiosa de o ver, como se na passagem do homem estivesse Deus a acenar aos crentes.
Às 18H30, entregou ao santuário a terceira Rosa de Ouro e dirigiu-se aos peregrinos na língua da Senhora de Fátima. Foi um deslumbramento.
O Papa rezou, abençoou os peregrinos e retirou-se do santuário cerca das 19 horas, para voltar duas horas depois e presidir à procissão das velas, um popular evento da liturgia, abrilhantado este ano pelo «hino do centenário das aparições». Rezou de novo e falou aos peregrinos de um santuário repleto de gente, fé e velas acesas.
Os crentes rezavam e cantavam, excitados pela presença do Papa, quando este se retirou às 23 horas, farto ou cansado, sem lhes falar de novo. Kitsch de Joana de Vasconcelos, o enorme e rutilante terço continuou a iluminar os peregrinos, abatidos com a ausência do Papa, e que rezavam na procissão que se prolongou mais um quarto de hora.
O cronista, considerando que ia longa a sua penitência, refugiou-se em leituras profanas. Escolheu Aquilino e releu algumas páginas de «Andam Faunos pelos Bosques», para se ressarcir do castigo que aceitou.
Voltou hoje, dia 13, antes das 10H00, para as canonizações de Francisco e Jacinta, um inédito privilégio de outorga ao domicílio, e corresponder ao amável convite da revista Sábado. E ia pensando no estranho sortilégio da bênção das velas normais que, ontem, graças aos sinais cabalísticos do Papa, se transformaram em velas benzidas.
Os pastorinhos, bem-aventurados a quem foram concedidos alvarás para obrar milagres, já eram beatos com a cura da D. Emília, e tinham direito a culto nacional. Foi a criança brasileira, em prejuízo de amputados da guerra colonial, que vão anualmente a Fátima e não recuperam os membros perdidos, quem lhes permitiu serem criados santos ou, em linguagem profana, obterem o diploma de canonização e poderem ser cultuados em todo o mundo católico. Que pena continuarem defuntos e não assistirem à grandiosidade da festa pia que lhes reservaram, eles que, em vida, apenas tiveram refeições decentes num dia 13 em que o administrador do concelho de Ourém os levou a almoçar com os filhos, a sua casa, e perderam uma aparição programada.
Às 10H00, teve início a eucaristia de celebração do que os créus e a comunicação social designam por Centenário das Aparições. Começou, aliás, com a canonização de Jacinta e Francisco Marto. Francisco, o Papa, começou por proclamá-los santos e anunciar a sua inscrição no catálogo dos santos da Igreja católica. Os crentes romperam em aplausos. Foi um orgulho para a Pátria e um deleite para os fiéis.
Depois da missa, a bordo do papamóvel, o Papa fez um novo rali de beijos e saudações, desceu do veículo para beijar uma deficiente e dirigiu-se à Casa de Nossa Senhora do Carmo para almoçar com os bispos. O Papa é santo por profissão e estado civil, mas não é como Alexandrina Maria da Costa, a santinha de Balasar, que passou os últimos treze anos e sete meses finais da vida em jejum total e anúria (apenas tomava a comunhão).
Findo o almoço, o Papa Francisco começou a repetir a viagem em sentido inverso com a coreografia prevista. Lá fora, o mundo quase não deu pela visita do Papa a Portugal.
Falta agora enriquecer o catálogo dos santos com Lúcia e Alexandrina cujos milagres já estão encomendados.
http://www.sabado.pt/vida/visita-do-papa-a-fatima/detalhe/cronica-de-um-ateu-perante-a-visita-papal?ref=HP_Ultimas
15:02 por SÁBADO0
O presidente da Associação Ateísta Portuguesa, Carlos Esperança, sujeitou-se à penitência, como o próprio a classificou, e assistiu à visita do papa Francisco a Fátima.
«Não veio como chefe do único Estado sem maternidade, veio, nas suas palavras, como peregrino, mas aguardavam-no as genuflexões pias e os beiços ávidos do beija-mão, de crentes ilustres movidos pela fé e pelos vídeos promocionais do PR e de Zita Seabra.
O avião papal percorreu o espaço aéreo nacional escoltado por dois caças da F.A., quiçá para provar aos incréus que o céu existe, porque nele circulam aves, insetos e aeronaves, mas não há registo da navegação aérea da Sr.ª de Fátima, criada pelo clero português, há um século, contra a República.
O Papa Francisco, enviado da Cúria, trouxe os diplomas de canonização de Francisco e Jacinta, que, depois de longa defunção, obraram em joint venture o milagre da D. Emília de Jesus, a entrevadinha que morreu totalmente curada, seis meses depois. Impondo a canonização dois milagres, não se furtaram os defuntos a curar uma criança com "perda de material cerebral" que, depois de transportada "ao hospital, em coma, foi operada", no Brasil, e os médicos disseram que, "caso sobrevivesse, viveria em estado vegetativo ou, no máximo, com graves deficiências cognitivas". Valeu-lhe o pai. Pediu à Sr.ª de Fátima e aos pastorinhos a cura do Lucas, caído de 7 metros de altura. Curou-se em três dias. É o troféu dos defuntos que, para as canonizações, careciam do milagre como os diabéticos de insulina para a doença.
Não havendo na Cova da Iria infraestruturas para aviões, requisito desnecessário para a Virgem, o CEO da multinacional da fé católica, aterrou no aeroporto de Monte Real, a 54 km da sucursal.
O Papa deixou uma mensagem à tripulação do avião que o trouxe: «Esta viagem é algo especial, uma viagem de oração de encontro com o Senhor e com a santa mãe de Deus», mas quem encontrou na Base Aérea de Monte Real foi o PR, incapaz de se conter no beija-mão, o presidente da AR e o PM.
Às 17H10, após cumprimentar a referida trindade e outros dignitários da República, fez uma visita à capela da Base Aérea e um curto rali de saudações e beijos. Esperava-o um helicóptero, para voar baixinho e surgir em Fátima, onde era aguardado por centenas de milhares de crentes em apoteose, alguns, com calos nos joelhos, outros, com bolhas nos pés, e todos em êxtase pio, com os olhos no céu, à espera do Papa.
A chegada de Francisco a Fátima foi a 5.ª aparição de um Papa, depois das de Paulo VI, há 50 anos, de João Paulo II (2), reincidente, e de Bento XVI, todas bem documentadas, ao contrário das que, em igual número, ocorreram numa azinheira local, para gáudio de três crianças, em que só uma via e ouvia, visões que, sucessivamente alteradas, revistas e aumentadas, se converteram em aparições.
Eram 17h40 quando os três helicópteros que levaram o Papa e a sua comitiva até Fátima sobrevoaram o céu do Santuário (o céu existe), antes de aterrarem no estádio da cidade. Depois, foi a viagem em papamóvel por entre a multidão ansiosa de o ver, como se na passagem do homem estivesse Deus a acenar aos crentes.
Às 18H30, entregou ao santuário a terceira Rosa de Ouro e dirigiu-se aos peregrinos na língua da Senhora de Fátima. Foi um deslumbramento.
O Papa rezou, abençoou os peregrinos e retirou-se do santuário cerca das 19 horas, para voltar duas horas depois e presidir à procissão das velas, um popular evento da liturgia, abrilhantado este ano pelo «hino do centenário das aparições». Rezou de novo e falou aos peregrinos de um santuário repleto de gente, fé e velas acesas.
Os crentes rezavam e cantavam, excitados pela presença do Papa, quando este se retirou às 23 horas, farto ou cansado, sem lhes falar de novo. Kitsch de Joana de Vasconcelos, o enorme e rutilante terço continuou a iluminar os peregrinos, abatidos com a ausência do Papa, e que rezavam na procissão que se prolongou mais um quarto de hora.
O cronista, considerando que ia longa a sua penitência, refugiou-se em leituras profanas. Escolheu Aquilino e releu algumas páginas de «Andam Faunos pelos Bosques», para se ressarcir do castigo que aceitou.
Voltou hoje, dia 13, antes das 10H00, para as canonizações de Francisco e Jacinta, um inédito privilégio de outorga ao domicílio, e corresponder ao amável convite da revista Sábado. E ia pensando no estranho sortilégio da bênção das velas normais que, ontem, graças aos sinais cabalísticos do Papa, se transformaram em velas benzidas.
Os pastorinhos, bem-aventurados a quem foram concedidos alvarás para obrar milagres, já eram beatos com a cura da D. Emília, e tinham direito a culto nacional. Foi a criança brasileira, em prejuízo de amputados da guerra colonial, que vão anualmente a Fátima e não recuperam os membros perdidos, quem lhes permitiu serem criados santos ou, em linguagem profana, obterem o diploma de canonização e poderem ser cultuados em todo o mundo católico. Que pena continuarem defuntos e não assistirem à grandiosidade da festa pia que lhes reservaram, eles que, em vida, apenas tiveram refeições decentes num dia 13 em que o administrador do concelho de Ourém os levou a almoçar com os filhos, a sua casa, e perderam uma aparição programada.
Às 10H00, teve início a eucaristia de celebração do que os créus e a comunicação social designam por Centenário das Aparições. Começou, aliás, com a canonização de Jacinta e Francisco Marto. Francisco, o Papa, começou por proclamá-los santos e anunciar a sua inscrição no catálogo dos santos da Igreja católica. Os crentes romperam em aplausos. Foi um orgulho para a Pátria e um deleite para os fiéis.
Depois da missa, a bordo do papamóvel, o Papa fez um novo rali de beijos e saudações, desceu do veículo para beijar uma deficiente e dirigiu-se à Casa de Nossa Senhora do Carmo para almoçar com os bispos. O Papa é santo por profissão e estado civil, mas não é como Alexandrina Maria da Costa, a santinha de Balasar, que passou os últimos treze anos e sete meses finais da vida em jejum total e anúria (apenas tomava a comunhão).
Findo o almoço, o Papa Francisco começou a repetir a viagem em sentido inverso com a coreografia prevista. Lá fora, o mundo quase não deu pela visita do Papa a Portugal.
Falta agora enriquecer o catálogo dos santos com Lúcia e Alexandrina cujos milagres já estão encomendados.
http://www.sabado.pt/vida/visita-do-papa-a-fatima/detalhe/cronica-de-um-ateu-perante-a-visita-papal?ref=HP_Ultimas
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