Carta do jornalista Henrique Monteiro_2

Carta ao jornalista Henrique Monteiro (HM)
hmonteiroexpresso@gmail.com 4 de fevereiro de 2019 18:03
Para: Carlos Esperança
Caro senhor Carlos Esperança,

Com os meus cumprimentos, o senhor começa por negar o dogmatismo com uma afirmação dogmática:
"a laicidade cuja violação pelo PR foi manifesta e constitui desrespeito de quem representa todos os portugueses". A ideia de que o PR - e não tenho procuração para o defender - desrespeitou a laicidade do Estado é, para si, indiscutível. Axiomática. Respeito, mas discordo.

O ateísmo é para mim um contrassenso. A negação pura e simples de qualquer ser supremo é equivalente à afirmação da necessidade de ele existir. Dogmática. E eivada de superioridade moral em relação a gnósticos e agnósticos.

De resto a laicidade e o laicismo podem ter interpretações diversas. O Estado é laico, não laicista. É neutro em relação às religiões, sim, mas não contra a sua existência, nem contra as relações do Estado com as religiões. Isso é o fundamento do que escrevo. O facto de a sua Associação se chamar Ateísta leva-me a fazer considerações sobre os ateus, que são minhas. Discutíveis, certamente, mas não dignas de uma fatwa sua.

Com os meus respeitos

Henrique Monteiro

Resposta:

Caro Senhor
Henrique Monteiro

Respeito o seu anti-ateísmo, mas se há alguma fatwa é sua, contra a laicidade e o ateísmo.

A procura de uma separação entre a laicidade e o laicismo é um ato de prestidigitação semântica, pois o laicismo é a filosofia e a laicidade a forma de a levar à prática.

Os padres usam muito essa estratégia.

Pela minha parte continuarei a ser um livre-pensador independentemente dos ataques de quem ignora uma associação cujo número e qualidade de sócios não teme confronto com as que têm guarida frequente no Expresso.

Não sei onde inventou a fraca representatividade da primeira e única associação ateísta em Portugal, mas respeito-lhe a imaginação.

Cumprimentos.

Carlos Esperança

Comentários

Jaime Santos disse…
Henrique Monteiro está talvez mal informado, porque a História da religião está eivada de tentativas de provar a existência de Deus enquanto necessidade, veja-se o famoso argumento ontológico de Santo Anselmo (que Kant se encarregou de despachar, bem como outros antes dele).

Aliás, pergunto-me qual é o crente que acredita 'provavelmente' em Deus. Nunca conheci nenhum.

As pessoas que consideram que não podem fazer afirmações relativamente à existência ou não de Deus são céticos como eu, chamam-se agnósticos e não se sentem de todo insultados pela existência de quem tem a posição dogmática (como é a de quem crê e isso não é nenhum insulto) de que Deus não existe, assim como não os perturba a crença dos outros, desde que uns e outros não procurem forçar a sua posição a ninguém.

Sucede que, longe de serem os crentes os perseguidos nas sociedades modernas, normalmente quem é insultado e por vezes agredido ou morto é quem afirma a descrença, que parece que é uma coisa que perturba muito os crentes. Sinal de dúvida interior?
Jaime Santos:

Pode legitimamente chamar também dogmático ao ateísmo pois a negação só é legítima por causa de uma afirmação sem provas. E tudo o que se afirma sem provas pode ser negado da mesma forma-. Se os crentes não tivessem inventado Deus e deuses e deixassem de o afirmar, o ateísmo era uma tolice.
e-pá! disse…
Para aclarar dúvidas e interpretações iníquas entre laicidade e laicismo o melhor será revisitar o artº. 41, ponto 4 da Constituição da República Portuguesa:
"As igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto".

Depois, é só olhar para o que se passou no Panamá e tirar conclusões que nunca poderão ser confundidas com dogmas (...porque essa lavra pertence a outra romagem, havendo até entes 'infalíveis'...)
Jaime Santos disse…
A mim ensinaram-me que uma posição não cética é, por definição, uma posição dogmática. Não vejo que isso seja uma afirmação polémica.

As únicas verdades demonstráveis para além de qualquer dúvida, Carlos Esperança, são os teoremas matemáticos que na verdade, mais não são do que tautologias sofisticadas e mesmo esses partem de certos axiomas que são eles próprios não demonstráveis.

Todas as afirmações interessantes acerca da natureza do mundo exterior são baseadas em posições dogmáticas, para as quais podem existir mais ou menos provas empíricas. Uma afirmação em que é fácil acreditar é de que existem leis naturais, já que podemos usá-las para fazer previsões verificáveis.

Já as afirmações acerca da prova de existência de divindades são normalmente baseadas em testemunhos ou, se se quiser, em argumentos de autoridade. Tudo depende se desejamos ou não acreditar em quem testemunha.

Sou bastante cético em relação a tais testemunhos mas como já aqui disse mais do que uma vez, as pessoas são livres de navegarem pela vida da melhor forma que podem e sabem, ela já é suficientemente difícil sem uma polícia de pensamento de qualquer natureza...

A minha intenção era criticar a posição de Henrique Monteiro não a posição (dogmática, repito) do Carlos Esperança. E não critico Monteiro por ser crente mas sim porque usa um argumento que é demonstravelmente falso, a saber, de que os crentes seriam mais flexíveis do que os ateus na sua aceitação da descrença do que os últimos na aceitação da crença...

Tão só.

Já quanto à atitude do PR, convido-os a verem a rábula que o RAP lhe dedicou no Domingo na TVI. Onde se mostra que além da falta do sentido de equilíbrio, falta a MRS o sentido de ridículo. Que saudades de Jorge Sampaio...
Jaime Santos:

Eu percebi, mas admito que me chamem dogmático, o que é frequente nos que aceitam dogmas. Só quis reiterar a legitimidade das posições ateístas.

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