Portugal, os Direitos das Mulheres e o ‘seu’ celebrado Dia …
Na Europa o 'voto feminino' – um inegável passo para a assunção do estatuto cidadão pela mulher – ‘aconteceu’, essencialmente, após o fim da I Guerra Mundial. Embora já existisse o precedente da Finlândia, que reconheceu o sufrágio feminino em 1911, só muito lentamente este estatuto foi, durante o século XX, ‘entrando’ nos países europeus.
Em Portugal, a República instituiu o direito de voto aos 21 anos, sem mencionar sexo, mas condicionando-o ao saber ler e escrever e à chefia do agregado familiar.
A ‘lacuna de género’ levou a que a médica Beatriz Ângelo, em 1911, na situação de viuvez, exercesse – depois de conturbadas discussões judiciais - o direito de voto, invocando a chefia do agregado familiar.
Em 1913 a ‘lacuna de género’ seria eliminada pela legislação republicana (Lei nº. 3 de 1913) e o direito de voto restringido aos ‘maiores de 21 anos, do sexo masculino’.
Todavia, só em 1931, seria formalmente concedido o direito de voto às mulheres portuguesas, prerrogativa essa envolta em múltiplas condicionantes, nomeadamente, à condição de ‘chefia de família’, aos rendimentos, ao ‘volume’ de propriedades, à profissão, etc.
Em 1933, em pleno período de implantação do famigerado Estado Novo saído da ditadura militar de 26, a lei possibilita (no papel) o sufrágio feminino, mas cerceia a sua universalidade, isto é, para além dos 21 anos, estabelecendo metas de exclusão das analfabetas e criando patamares de rendimentos próprios e níveis de contribuição predial que, dadas as circunstâncias da época, só abrangiam um restrito número de pessoas, isto é, circunscreviam-se aos velhos feudos dos 'terratenientes' rurais, a uma nova aristocracia industrial eivada de novo-riquismo e a uma incipiente burguesia urbana.
Para exemplificar calcula-se que só um dos parâmetros – a taxa de analfabetismo – rondasse, na década de 30, os 60%. E a partir daqui é fácil compreender a dimensão da exclusão.
Só em 26 de Dezembro de 1968 se estende o direito de voto às mulheres, fora dos contextos económicos e dos exercícios ‘patriarcais’ mantendo, no entanto, a exclusão das mulheres analfabetas o que representa uma segregação de mais de 30% (entre os potenciais eleitores e eleitoras).
Na Constituição surgida após o 25 de Abril (artº. 10º) consagra-se o sufrágio universal, sem qualquer outra condicionante que não seja a maioridade e onde se associa indelevelmente os direitos de cidadania aos de soberania política. É reconhecido como ‘um dever cívico’, universal, exercido de modo igualitário.
Longos são os anos decorridos (> 180 anos) entre as primeira expressões em defesa do direito de voto universal e a Constituição portuguesa de 1976.
De sublinhar algumas pequenas achegas:
Condorcet, um brilhante cientista, um convicto iluminista e um destemido revolucionário, durante a Revolução Francesa (em 1790), defendeu publicamente e arreigadamente o direito à plena cidadania das mulheres, passando obviamente pelo exercício do direito de voto. Foi, por assim dizer, o precursor a longa marcha que o feminismo viria a percorrer ao longo de mais de século e meio.
Na evolução económica e social que influenciou as ideias e o percurso histórico no primeiro quartel do século XX (a 1º. revolução industrial) cabe aqui salientar a postura de Rosa Luxemburgo quando sintetiza:
“Por um Mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”. Bela síntese para o Dia da Mulher e para os outros 364 dias complementares.
No nosso País seria indesculpável não referir Maria Lamas, incansável lutadora pelos direitos das mulheres, autora de um dos livros chave para a compreensão da ‘condição feminina’ em Portugal no século XX (“As Mulheres do Meu País”). Escrevia Maria Lamas: ‘As mulheres que labutam de sol a sol na terra portuguesa costumam definir o seu destino com esta frase concisa e trágica: “a nossa vida é muito escrava”’. De facto, conciso e trágico.
Na verdade, o derrube do arcaico, seja ele tradicional, imobilista ou simplesmente preconceituoso foi sendo feito passo a passo, mas independente da morosidade que tem a ver com circunstâncias políticas, sociais, históricas e culturais, foi – e será sempre - a força motriz que define a capacidade de mudança e a amplitude do progresso.
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