Surrealismo legislativo – O combate aos adjetivos

Os adjetivos, à semelhança da caça, têm época própria. Uma lei de 2015, PSD/CDS, com votos contra de toda a esquerda, proíbe a publicidade institucional de obras ou serviços aos órgãos do Estado, após a publicação do decreto-lei que marca eleições, sejam elas quais forem.

As coimas, nas autarquias, 15 a 75 mil euros, são aplicadas aos respetivos presidentes de Câmara.

A lei deixa anunciar, por exemplo, que abriu o Centro de Saúde de Alguidares de Baixo, mas não permite que o autarca diga, “cumprimos” ou que essa unidade “é a melhor de”. Como os munícipes, em particular, e os cidadãos em geral, são estúpidos, podiam votar em todo o país, todos os eleitores, no partido de turno em Alguidares de Baixo.
Em Lisboa pode anunciar-se uma nova estação de Metro, se acaso for aberta, mas não se pode dizer ser essa uma boa notícia para os moradores da vizinhança. Os adjetivos ficam de quarentena até ao dia seguinte às eleições, neste caso, as europeias.

A Associação Nacional de Municípios, receosa da Comissão Nacional de Eleições, está ressentida e vocifera contra a estúpida lei que a maioria de esquerda devia ter alterado. O PSD queixa-se do PS porque, sabendo-a estúpida, pois votou contra, não a alterou, e não se queixa de a ter votado. O CDS, com fraca presença autárquica, não se pronuncia, mas os autarcas do PS e PSD não se resignam e vociferam.

A agência de notação financeira Standard & Poor’s (S&P) subiu esta sexta-feira o rating de Portugal de “BBB-” para “BBB”, dois níveis acima do grau de investimento especulativo, com perspetiva estável. O Governo considerou que “Foi um sinal positivo e ao mesmo tempo muito claro do retorno à normalidade do financiamento da República Portuguesa”, lançando dois adjetivos contra o cumprimento escrupuloso da lei. Teme-se a reação da CNE, a quem cabe apenas fazer cumprir a estúpida lei.

Lembra-me a peça de teatro “A Palavra É de Oiro”, de Augusto Abelaira, no tempo em que as palavras eram censuradas. A Censura proibiu a representação da peça.

Comentários

e-pá! disse…
A interpretação de textos - sejam legislativos, literários ou outros - é uma tarefa árdua e que requer conhecimento dos assuntos tratados, perícia linguística e, finalmente, experiência.
Não sabemos se a Comissão Nacional de Eleições (CNE) tem estes atributos.
Todavia, temos outras noções.

Perante o período eleitoral que se aproxima começou a uma incontrolada gritaria à volta do tema: 'eleitoralismo'.
O primeiro foi Marcelo Rebelo de Sousa que, em Outubro passado, alertou sobre esse 'perigo' aquando da discussão do OE de 2019. Ficamos sem saber se o Presidente defendia uma 'hibernação orçamental' ou se pretendia (defendia) outras concepções.
Agora a Direita que sempre foi exímia no oficiar de cerimónias eleitoralistas vem a terreiro à boleia da CNE - Cristas apresentou 6º. feira uma queixa contra o Governo - mostrar-se como uma 'virgem ofendida'.
Na verdade, a gritaria só tem uma razão: o facto de o PS governar com o apoio da Esquerda.
Durante a campanha eleitoral a Direita vai usar e abusar do jargão: 'O Estado Falhou!'... E o espectro político á Esquerda deverá ficar quedo, surdo e mudo.

Julgo que a CNE reivindica (e deve exercer) um estatuto de independência que lhe confere autoridade para fiscalizar os atos eleitorais. Quando se envolve em interpretações espúrias ou em malabarismos semânticos está a prejudicar esse estatuto.
O eleitoralismo que, muitas vezes aparece confinado às estruturas governamentais, existe por todo o lado e grande parte das vezes nos partidos políticos. Será um dos males das disputas democráticas que só uma educação cívica profunda resolverá.

Mas pior que o 'eleitoralismo governamental' tendencialmente revelador da 'obra feita', será a demagogia, o populismo e as promessas fantasiosas, para futuro... Bem, e, também, um problema por arrastamento, será a presunção de eleitores incautos...

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