Violência doméstica e jurisprudência «No país dos Neto de Moura»
Ontem, após ler dez páginas da revista Visão, com repugnantes justificações e insólitas decisões plasmadas na jurisprudência portuguesa, dos tribunais da primeira instância ao STJ, quase sempre sem votos de vencido, senti-me nauseado com o grau de machismo e misoginia que transparece de sentenças e acórdãos. São páginas que merecem uma séria reflexão, não apenas dos juízes, mas de toda a sociedade.
Não gosto de ver a Justiça tratada de forma populista, de saber enlameados os Tribunais, de ver generalizações abusivas e colocar as decisões judiciais ao arbítrio de uma opinião pública ignara e ressentida, com os critérios com que julga os políticos. Mas, perante tão flagrantes imoralidades e, quero crer, injustiças, que os preconceitos e a miopia geram, à falta de outra instância, só o escrutínio da opinião pública pode atenuá-las.
No trabalho jornalístico, assinado por Pedro Raínho e Sílvia Caneco, não vislumbrei, na prosa ou nos títulos de caixa alta, qualquer exploração sensacionalista ou demagogia nas páginas que revelam uma mera amostra dos preconceitos que transformam vítimas em culpadas. É o escrutínio necessário, mediado por uma imprensa responsável, como as vítimas merecem, uma advertência aos prevaricadores e a exigência da sua autocrítica contra novos desvarios judiciais.
O Levítico continua a ser, não o manual de maus costumes, como Saramago definiu a Bíblia, mas o manual terrorista que compete com os Códigos Penais dos países ditos civilizados. É a herança judaico-cristã que permanece na cabeça de homens formatados com a mentalidade da Idade do Bronze e de mulheres com a síndrome de Estocolmo. É a espada de Dâmocles que pende sobre as mulheres, como o tolo pecado original saído da mente perversa de um santo Doutor da Igreja.
Infelizmente, a misoginia não é uma tara exclusivamente masculina e, muito menos, de um país que o Concílio de Trento, a Reforma e a Inquisição atrasaram, como Antero de Quental diagnosticou certeiramente na histórica Conferência Democrática do Casino Lisbonense: “Causas da Decadência dos Povos Peninsulares”.
Não é só em Portugal que a mentalidade arcaica de alguns juízes se verifica. Em Itália, a juíza genovesa Silvia Capanini – lia-se, também ontem, no Público.es, https://www.publico.es/internacional/violencia-machista-apunala-24-veces-mujer-rebajan-pena-mitad-victima-tenia-amante.html – reduziu de 30 para 16 anos a pena de prisão, pedida pelo Ministério Público, para o assassino que apunhalou 24 vezes a mulher, porque esta tinha um amante. Entendeu a benevolente magistrada que o homem agiu [“por uma mistura de ira e desespero, profunda deceção e ressentimento” porque a sua mulher o tinha “enganado e desiludido", dizendo que já tinha abandonado o amante quando não era verdade.]. A simples citação é mais violenta e implacável para a juíza do que todos os impropérios vociferados contra o juiz Neto de Moura nas redes sociais em Portugal.
A ignomínia não tem fronteiras e a opinião pública forma-se com o empenhamento de todos. O escrutínio informado é um dever de todos, homens e mulheres.
Não gosto de ver a Justiça tratada de forma populista, de saber enlameados os Tribunais, de ver generalizações abusivas e colocar as decisões judiciais ao arbítrio de uma opinião pública ignara e ressentida, com os critérios com que julga os políticos. Mas, perante tão flagrantes imoralidades e, quero crer, injustiças, que os preconceitos e a miopia geram, à falta de outra instância, só o escrutínio da opinião pública pode atenuá-las.
No trabalho jornalístico, assinado por Pedro Raínho e Sílvia Caneco, não vislumbrei, na prosa ou nos títulos de caixa alta, qualquer exploração sensacionalista ou demagogia nas páginas que revelam uma mera amostra dos preconceitos que transformam vítimas em culpadas. É o escrutínio necessário, mediado por uma imprensa responsável, como as vítimas merecem, uma advertência aos prevaricadores e a exigência da sua autocrítica contra novos desvarios judiciais.
O Levítico continua a ser, não o manual de maus costumes, como Saramago definiu a Bíblia, mas o manual terrorista que compete com os Códigos Penais dos países ditos civilizados. É a herança judaico-cristã que permanece na cabeça de homens formatados com a mentalidade da Idade do Bronze e de mulheres com a síndrome de Estocolmo. É a espada de Dâmocles que pende sobre as mulheres, como o tolo pecado original saído da mente perversa de um santo Doutor da Igreja.
Infelizmente, a misoginia não é uma tara exclusivamente masculina e, muito menos, de um país que o Concílio de Trento, a Reforma e a Inquisição atrasaram, como Antero de Quental diagnosticou certeiramente na histórica Conferência Democrática do Casino Lisbonense: “Causas da Decadência dos Povos Peninsulares”.
Não é só em Portugal que a mentalidade arcaica de alguns juízes se verifica. Em Itália, a juíza genovesa Silvia Capanini – lia-se, também ontem, no Público.es, https://www.publico.es/internacional/violencia-machista-apunala-24-veces-mujer-rebajan-pena-mitad-victima-tenia-amante.html – reduziu de 30 para 16 anos a pena de prisão, pedida pelo Ministério Público, para o assassino que apunhalou 24 vezes a mulher, porque esta tinha um amante. Entendeu a benevolente magistrada que o homem agiu [“por uma mistura de ira e desespero, profunda deceção e ressentimento” porque a sua mulher o tinha “enganado e desiludido", dizendo que já tinha abandonado o amante quando não era verdade.]. A simples citação é mais violenta e implacável para a juíza do que todos os impropérios vociferados contra o juiz Neto de Moura nas redes sociais em Portugal.
A ignomínia não tem fronteiras e a opinião pública forma-se com o empenhamento de todos. O escrutínio informado é um dever de todos, homens e mulheres.
Comentários
Continuam a ser cidadãos (não somos julgados por robots) agora não são eleitos mas 'preparados' para julgar.
Não são uma imanação divina e, portanto, quando recuamos à sua raiz social entramos num labirinto.
O facto de serem 'irresponsáveis' e 'inamovíveis' no exercício das suas funções não deve ser um privilégio mas antes uma responsabilidade acrescida para chegar a uma desejada 'imparcialidade'.
As sentenças polémicas (existirão sempre...) têm de ser escrutinadas pelo órgão máximo da soberania - o povo - e não podem ficar reféns de Conselhos Superiores, mais ou menos corporativos e, pior, de maneira absoluta manietados na sua análise por uma feroz independência do poder judicial - que obstaculiza qualquer tipo de abordagem. De independentes transitaram para o estatuto de 'intocáveis', o que é uma aberração em qualquer regime democrático.
Apesar da separação de poderes - um bem dos regimes modernos - continua a existir de maneira transversal um território comum, inseparável e indissociável: o da soberania popular.
A dificuldade é arranjar um mecanismo de escrutínio popular 'confiável'. E o outro grande problema é existirem cada vez menos personalidades probas, qualificadas e com idoneidade cívica e intelectual, que possam corrigir e regular os desmandos do poder judicial...
Entretanto, os regimes vão criando 'super-juízes', com os resultados que todos conhecemos..