Já chegamos à Madeira? …

“Já chegamos à Madeira…” é uma expressão idiomática usada para traduzir descontentamento.

As recentes notícias sobre os depauperados e despropositados arreganhos regionais acerca das reivindicações dos professores link e mais recentemente dos enfermeiros link suscitam, exatamente, a expressão atrás referida.
Não porque as reivindicações laborais destas duas classes profissionais sejam injustas mas pelo descabimento desta precipitada posição regional face ao contexto nacional.
 
Várias razões poderão estar em causa.
 
A primeira, é noção de que a 'gritaria nacional do PSD' sobre eventuais medidas eleitoralistas do Governo da República, não passa de uma ‘cortina de fumo’, quando se verifica que, por exemplo, estas duas medidas são o maior desplante nesse terreno. Mas como o Governo Regional é do PSD vamos tentar esquecer (ocultar) que as próximas eleições regionais serão a 22 de Setembro.
 
A segunda, aparentemente decorre do estatuto do sistema de saúde da região autónoma aprovado pelo decreto legislativo regional 21/91 M de 7 de Agosto que no artº 12, alínea d) link estabelece a “adaptação das carreiras profissionais de saúde às indicações próprias da Região Autónoma da Madeira”. Ora, não existindo especificidades em termos estruturais e de desempenho na região a não ser a insularidade e decorrente daí o carácter geográfico (ultra)periférico o que pode dificultar o continuum de formação dos profissionais – e, portanto, merece ser abordado com diploma específico - não se entende a necessidade de uma carreira e mecanismos de progressão diferentes dos nacionais.
 
Quanto aos professores existe um défice de ‘profissionais autóctones’ para assegurar o sistema regional de educação onde cerca de metade dos docentes (mais de 3000) são oriundos do ‘continente’ – para usar uma expressão regional. Esta ‘dependência’ pode fazer toda a diferença, mas não é um passo decisivo no reconhecimento de justas retribuições do exercício profissional.
 
Mais, a ocasião faz o ladrão. O PSD Madeira acossado pela disputa eleitoral, próxima, resolve enveredar pelo facilitismo, mas sempre que lhe convém aparece a apodar a Esquerda de ‘irresponsável’, ‘despesista’, ‘perdulária’, ‘bancarrotista’,  etc.
 
O ratio dívida pública / PIB é idêntico na Madeira ao observado em todo o País. Na verdade, a dívida pública da Região Autónoma da Madeira ronda os 5.000 milhões de euros link e o PIB bruto regional está abaixo desse valor pelo que não existem verbas orçamentais excedentárias para promover um ‘bodo aos pobres’ paroquial.
Resta a sensação de que o Governo Regional está – para usar uma expressão popular - a ‘cumprimentar com o chapéu alheio’, isto é, a promover prebendas regionais com os proventos da República.
 
O PSD – que governa a Madeira há 4 dezenas de anos - como todos os partidos acantonados na Direita política tem uma matriz ‘nacionalista’, distribui ao desbarato ‘lições de patriotismo’ e sempre exibiu uma notória reserva mental na redistribuição da riqueza. Ao imiscuir-se no terreno sindical – território onde é notoriamente inapto - mais não está a fazer do que sabotar a atividade sindical criando excecionalidades e pulverizando a capacidade de reivindicar e, pior, no campo eminentemente político, a minar a coesão nacional.
 
O problema dos professores e o dos enfermeiros, para só falarmos nos exemplos atualmente na ribalta da contestação, sendo uma situação geral do País, e transversal a todos os trabalhadores, é de inteira justiça ser revertida – não existem formalmente dúvidas acerca disso - sendo uma consequência direta da intromissão externa da Troika e adotada pelos seus lídimos colaboradores no interior (governo de Passos Coelho/Portas) que hoje se escondem por detrás de sinuosas e encriptadas declarações.
Existe consenso nacional de que a totalidade do tempo de serviço deve ser reconhecida e contabilizada e as decisões do Parlamento, já tomadas, vão nesse sentido. O problema será outro: qualquer ‘solução’ terá que ter em consideração a globalidade dos portugueses e portuguesas porque a questão é eminentemente nacional e o congelamento atingiu todos (os que trabalham).
E em última análise, a progressão nas carreiras e, portanto, recuperação de rendimentos extorquidos pela abordagem neoliberal de combate à ‘crise’ que ainda nos afeta, decorrerá, em primeiro lugar, do modelo de sistema político onde estamos (todos) inseridos e da sua capacidade (vontade política) em retribuir, ou melhor, de (re)distribuir.
 
Não sendo um assunto da estrita dimensão sectorial e de âmbito profissional circunscrito e muito menos uma questão autonómica, este passo ‘adiantado’ pelo Governo Regional é ditado por um oportunismo regionalista de braço dado com um eleitoralismo serôdio.
 
Quanto a patriotismos e a nacionalismos estamos conversados. A posição assumida pelo Governo Regional da Madeira será uma venenosa farpa dirigida contra a coesão nacional e, para além disso, uma leitura enviesada do que é de facto o exercício de uma autonomia regional.
 
A tentativa de ‘importação’ desta posição regionalista (que já contaminou os Açores) assumida nas mais recentes manifestações dos profissionais da educação link para o espaço nacional não tem a mínima consistência política (não se deve partir das ‘exceções’ para a regra) e corre o risco de ser interpretada como o alinhamento com um ‘oportunismo’ regionalista, travestido, de autonomista.
O caminho será necessariamente outro – de tipo de regime - e para percorrê-lo haverá (estamos todos convictos disso) muito menos mobilização, coesão e unidade para promover as mudanças políticas e sociais, muito mais difíceis do que congregar gente à volta de reivindicações setoriais e pontuais.
 
A discussão em sede própria, isto é, na Assembleia da República, no próximo dia 16 de Abril, permitirá clarificar este problema, mas terá necessariamente outras consequências, isto é, será a abertura de um precedente para todos os sectores profissionais.
Na verdade, a AR, no dia 16, não deverá ficar pela análise dos casos dos professores ou dos enfermeiros, mas deverá emitir uma posição de princípio global (para todos os trabalhadores), vinculativa, acerca do congelamento de tempo e carreiras verificados no último decénio, sob os mais variados pretextos.
Caberá, depois, ao Governo compatibilizar a restituição de direitos, que foram durante tanto tempo espezinhados, com a capacidade orçamental disponível e proceder à sua integral satisfação, diferida no tempo (como está claro para toda a gente). Chegamos, portanto, ao limiar daquela máxima que consiga a igualdade: “Ou há moralidade, ou comem todos!”.
 
Se não o for assim cabe aqui perguntar se ‘já chegamos à Madeira’…

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