A crise académica de 1969, a greve e outras greves e crises

Quando em 17 de abril de 1969 não foi concedida a palavra ao presidente da Associação Académica de Coimbra, Alberto Martins, que a solicitara numa cerimónia académica, presidida pelo lacaio de Salazar, Américo Tomás, abateu-se a repressão policial contra os estudantes. Seguiram-se a greve e a falta aos exames pelos alunos que contestaram a ditadura e acabaram presos e mobilizados para a guerra colonial, que lhes interrompeu os cursos.

Neste ano, a pretexto do cinquentenário, tem vindo a ser comemorada a data – e bem –, na homenagem que é devida, pela coragem, aos que ousaram desafiar a ditadura e a sua feroz repressão enquanto ainda andam por aí os que, por convicção fascista, traíram.

Pela importância do movimento académico na luta contra o fascismo, compreende-se a omissão das lutas dos trabalhadores e oposicionistas, em geral, e dos comunistas e anarquistas, em particular, vítimas de ainda maior e mais violenta repressão.

Lamento, na evocação da crise de 1969, o facto de não ter sido utilizada para associar, na recordação desta corajosa luta académica, as que a precederam. Já não digo que se recuasse à heroica luta da greve de 1907 contra a ditadura de João Franco, mas a todas as que desgastaram o consulado salazarista.

Em 1962, a crise académica, começada em Lisboa, foi um dos principais momentos da luta dos estudantes universitários portugueses contra a ditadura. O I Encontro Nacional de Estudantes acabou por se realizar em Coimbra e os dirigentes da AAC acabaram na prisão e no exílio com a feroz repressão a ser exercida sobre todos, desta vez incluindo, pela primeira vez, alunas que foram presas na PIDE de Coimbra, por não haver cadeias políticas para mulheres.

O futebol, instrumento de alienação do salazarismo, teve momentos épicos através da Académica cujos atletas eram maioritariamente estudantes universitários que arriscaram o que para muitos era o único recurso para um curso superior.

Seria ingratidão não aludir à corajosa luta dos estudantes-atletas no final da taça de 1969 que, em solidariedade com os dirigentes que viriam a ser expulsos da Universidade, viram negadas sucessivas formas de manifestação de luto académico.

Acabaram por entrar em campo, no Jamor, com a capa pelos ombros e o emblema traçado por adesivo, em sinal de luto. Nas bancadas os estudantes empunhavam cartazes hostis ao regime que passaram de mão em mão, num desafio à ditadura.

Finalmente, por ser um episódio quase desconhecido e de grande relevância cívica, deve ser lembrado que os jogadores da Académica, já em 1967, no Torneio Internacional  de Caracas, homenagearam Simão Bolívar em cujo monumento depuseram uma coroa de flores.

A equipa, acompanhada pelo grande jornalista e democrata Carlos Pinhão, viu o ato ficar perpetuado no jornal “A Bola”, então um baluarte da democracia que, perante a desatenção da censura, perpetuou o nobre ato democrático.

Por gentileza de um dos participantes deste feito, que nunca mais seria alheio à defesa da democracia, aqui fica o recorte que a ignorância do censor, sobre a figura de Simão Bolívar, deixou passar nas páginas honradas do jornal desportivo.

(Ler legenda - foto canto inferior esquerdo)


Ponte Europa / Sorumbático

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Divagando sobre barretes e 'experiências'…

26 de agosto – efemérides