A UE e as Eleições Europeias – 2019


A fragmentação partidária e por grupos políticos do Parlamento Europeu (PE) está desde já a alimentar um conjunto jogos compositivos tendentes a ‘encontrarem’ o novo presidente da Comissão Europeia.
A ‘dança de cadeiras’ precede um programa político europeu que tenha como objetivo resolver os problemas e insuficiências que ‘ensombram’ a Europa nos dias que correm. Esta inversão é significativa em termos de escalonamento de prioridades, mas é 'o que a casa gasta’.

Ao que parece a imposição, pelo PPE, do Sr. Weber poderá estar em risco por não colher o voto da maioria dos parlamentares agora eleitos. Esta poderia ser uma boa notícia per si já que o personagem escolhido (pelo PPE) não possui um currículo (político) recomendável. Mas a complexidade é acrescida pela introdução à volta dos problemas de outros cargos em disputa (presidente do Parlamento, presidente do BCE e representante externo da UE) que ultrapassam os contornos balizadores do hemiciclo de Estrasburgo.

Na realidade, as correlações de força da Europa não se exibem nem se esgotam no PE mas antes passam pelo Conselho Europeu (CE) onde os equilíbrios e as dominâncias motrizes poderão pouco, ou nada, ter a ver com as alterações ocorridas nas eleições de 26 de Maio passado. E neste reduto institucional as composições e convergências partidárias poderão ser diferentes já que as eleições para o Parlamento Europeu não coincidem com as nacionais e, no concreto, podem balancear-se outros interesses e parâmetros decisórios. Temos assim a possibilidade de emergência de um novo foco de fratura, na política europeia.
 
Por outro lado, o mesmo Conselho Europeu irá negociar, para além da presidência, os restantes membros que integrarão a futura Comissão Europeia o que não será uma tarefa fácil se considerarmos a globalidade dos 27 membros e os 'apetites nacionalistas' (escondidos ou escancarados).

Voltemos à atual composição do PE. A primeira grande constatação é que o tradicional ‘bloco central europeu’, constituído pelos deputados do Partido Popular Europeu (PPE) e os Socialistas & Democratas (S&D), perdeu a maioria na Câmara o que diminui drasticamente a sua capacidade negocial e por arrasto a sua vertente impositiva.
Perante esta situação esboça-se a tentativa de ‘alargar’ a centralidade deste ‘grupo director’ tentando incluir nele os Liberais (Aliança dos Democratas e Liberais pela Europa – ALDE) que exibe um largo avanço em relação ao passado recente (passando dos anteriores 68 para os actuais 105 deputados). Num ápice os Liberais passam de notórios marginais a protagonistas, uma mutação posicional que terá consequências políticas (ainda por definir).

Pelo meio, existem ainda os Verdes que também exibiram uma importante trajetória ascensional atingindo os 69 deputados (antes eram 52) o que deverá traduzir-se na imposição - no Parlamento e na Comissão - de uma ‘agenda ecologista e ambiental’ que, não tem sido apanágio do presente ‘centrão europeu’ (PPE + S&D), não poderá ser menosprezada, ou ignorada, em termos de futuro.

Grupos que têm sido colocados à margem das ‘manobras de governação e decisão europeias’, como sejam o Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia /Esquerda Nórdica Verde (GUE/NGL), o Grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus (ECR) e o Grupo da Europa da Liberdade e da Democracia Direta (EFDD), muito embora constituam uma 'manta de retalhos' no espectro ideológico, no cômputo geral, perderam alguma influência no contexto europeu.
São, todavia, grupos que podem - em circunstâncias pontuais - desenhar acordos com outras formações, como será o caso do EFDD e a sua proximidade à extrema-direita (ENL), o Grupo dos Conservadores e Reformistas com o PPE e mais remotamente da Esquerda Unitária com os S&D. Baralhar estas ‘convergências de ocasião’ e distribuir avulsamente cartas (eventualmente ‘destrunfar’) poderá ser o próximo entretinimento no seio da UE à revelia das preocupações e anseios dos cidadãos que cada vez mais menos se identificam com as instituições (daí a elevada taxa de abstencionistas).

Por fim, a ascensão dos eleitos por partidos de extrema-direita – um grupo que Matteo Salvini pretende federar no Grupo da Europa das Nações e Liberdade (ENL) - foi muito mais comedida do que o projetado (nas estimativas mais pessimistas) embora tenha manifestado alterações significativas nomeadamente em Itália e França onde se verificou um crescendo que compensa, em termos numéricos, as descidas verificadas na Alemanha, Áustria e Holanda. Todavia, neste polimórfico grupo existem cenários complementares, nomeadamente no chamado ‘grupo de Visegrado’ onde, por exemplo, na Hungria, se verifica a consolidação eleitoral do ‘regime iliberal’ de Viktor Orban.

Em resumo: Esta ‘babel europeia’ vai necessitar de desenvolver muitos esforços para tentar evitar o vazio institucional e preencher os cargos europeus em disputa na Comissão, no BCE e na representação externa da UE (Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança) .
As diferentes pressões e os múltiplos e conflituantes interesses tentarão encontrar soluções de compromisso em que o pragmatismo (de partilhar do poder) suplantará as convicções (políticas e ideológicas) e comprometerá a caminhada futura.
Deixaram de existir condições político-partidárias para obter resultados que tenham credibilidade em termos de consistência e solidez. A fragilidade das eventuais ‘soluções temporárias’ e espúrios acordos – que serão conseguidos a ferro e fogo - marcará indelevelmente a UE nos tempos mais próximos e a primeira vítima será a coesão europeia, princípio fundamental da União. 

Uma putativa ‘aliança progressista’ entre os Socialistas & Democratas e o grupo Liberal (animado pelo movimento ‘Renaissance’ de Macron) - muito esgrimida no imediato pós-eleitoral - só servirá para reforçar o ‘eixo franco-alemão’, que vem desastrosamente governando a UE e nada trará de novo à política europeia, logo, a imagem de ‘progresso’ que se tenta incutir é meramente folclórica. Será – isso sim - o paulatino regresso às formulações ‘sociais-liberais’ (à 3ª. via do desditoso Tony Blair) cujos resultados todos conhecemos, isto é, tem sido o cemitério das sociais-democracias e, no presente contexto europeu, será ainda pior, porque poderá representar uma morte anunciada da Europa Social, onde nenhum (novo) ‘contrato social’, por mais ilusionista e pragmático que seja, conseguirá impor-se.
Seria muito mais inteligível e aceitável uma aliança entre Socialistas e os Verdes/ALE (embora haja uma grande heterogeneidade neste ‘família política’) mas, de qualquer modo, reforçaria (pelo menos perante o PPE) um desejo de mudança dos paradigmas do crescimento económico para futuro, muito mais consentânea com os ditames de Esquerda.

As eleições europeias de 2019 introduziram novos dados (numéricos) na política da UE mas, para mal do ‘projeto europeu’, estes estão longe de clarificar a situação, desanuviar o ambiente e indiciar mudanças. As subidas dos Liberais, dos Verdes e da Extrema-direita e a queda do ‘bloco central europeu’ (PPE e S&D) alteraram (pontualmente) alguns equilíbrios estabelecidos mas não mexeram nas questões fundamentais que afligem a Europa e a fazem aproximar-se de uma ‘nova crise’, indesejada pelos cidadãos europeus.

No plano político nacional (p. exº: Portugal) e até no regional (p. exº.: na Catalunha) verificaram-se alterações qualitativas em termos de representatividade europeia, muito festejadas. Todavia, será uma clamorosa imprudência incensar o porte verdejante e a majestade da árvore próxima quando, no horizonte, a floresta já está a arder...

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