Escrever em português
No texto “Os salazaristas e o neofascismo português”, um
leitor chamou-me a atenção para as palavras usadas, dizendo que “ou tem
seguidores com um enorme conhecimento da língua portuguesa, ou (…) sua escrita
é bastante pretensiosa”.
Retorqui ao comentário de forma lacónica: “as duas coisas,
talvez”. Vejo que foi curta a resposta ao amável reparo e referência às palavras
que considerou invulgares, “opróbrio, anacrónica, crocitam, regougam, eructam,
negacionismo, homúnculos e arautos”, quase todas usuais numa língua que, por
culpa nossa, vai perdendo a riqueza, à medida que nos resignamos a umas
centenas de vocábulos suficientes para comunicar.
Costumo afirmar que aprendi português até à 4.ª classe com a
minha saudosa mãe, uma professora briosa a quem os 7 anos de Latim, que no seu
tempo era obrigatório do 1.º ao 7.º ano dos liceus, deram um notável
conhecimento. Depois, pouco mais aprendi, a não ser, na História da Literatura
Portuguesa, a distinguir géneros literários que os diversos movimentos foram
criando ao longo dos séculos.
Costumo escrever como falo e gosto de sacudir o pó a
arcaísmos e usar mais palavras do que as indispensáveis sem cair no estilo
barroco que, aliás, deixou excelentes legados na escultura e arquitetura, e que
teve no padre António Vieira a sua apoteose literária.
Quando refletia sobre as palavras usadas dei-me conta de que
as menos comuns faziam parte do património adquirido na instrução primária e,
para que não se percam, aqui fica a fonte de algumas delas de uma poesia que
decorei sem esforço aos 9 ou 10 anos:
'Vozes dos animais
Por Pedro Dinis
Palram pega e papagaio
E cacareja a galinha
Os ternos pombos arrulham
Geme a rola inocentinha
Muge a vaca, berra o touro
Grasna a rã, ruge o leão,
O gato mia, uiva o lobo
Também uiva e ladra o cão.
Relincha o nobre cavalo,
Os elefantes dão urros,
A tímida ovelha bala,
Zurrar é próprio dos burros.
Regouga a sagaz raposa,
Brutinho muito matreiro;
Nos ramos cantam as aves,
Mas pia o mocho agoureiro.
Sabem as aves ligeiras
O canto seu variar:
Fazem gorjeios às vezes,
Às vezes põem-se a chilrar.
O pardal, daninho aos campos,
Não aprendeu a cantar;
Como os ratos e as doninhas
Apenas sabe chiar.
O negro corvo crocita,
Zune o mosquito enfadonho,
A serpente no deserto
Solta assobio medonho.
Chia a lebre, grasna o pato,
Ouvem-se os porcos grunhir,
Libando o suco das flores,
Costuma a abelha zumbir.
Bramam os tigres, as onças,
Pia, pia o pintainho,
Cucurica e canta o galo,
Late e gane o cachorrinho.
A vitelinha dá berros
O cordeirinho balidos,
O macaquinho dá guinchos,
A criancinha vagidos.
A fala foi dada ao homem,
Rei dos outros animais:
Nos versos lidos acima
Se encontra em pobre rima
As vozes dos principais.
Fonte
In Elementos para um tratado de fonética portuguesa, de
Rodrigo de Sá Nogueira (Imprensa
Nacional de Lisboa, 1938).'
in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/outros/antologia/vozes-dos-animais/730
Comentários