O padre António Vieira e a iconoclastia
O padre António Vieira, cuja vida percorreu quase todo o século XVII (1608/97), numa época em que a longevidade era rara, é um dos mais lídimos paladinos da língua portuguesa.
Os seus sermões constituem a apoteose do barroco na história da literatura portuguesa, o triunfo de um género a que o génio imprimiu a beleza, a coerência e a grandeza com que delicia os leitores, ainda hoje.
Vieira usou as palavras como Bernini o mármore e cinzelou-as com o fulgor da erudição e a força das convicções. Quem nunca leu Vieira não entenderá a grandeza do orador e o brilho do pensador que estendeu ao labor epistolar.
No campo das ideias, por mais difícil que seja entender como pensava um intelectual há quatro séculos, é consensual que foi defensor dos direitos humanos, na luta contra a exploração dos indígenas, e, mais tarde, contra a Inquisição, de que foi o alvo apetecido, salvo pela sorte e proteção pontifícia de que gozou.
Trouxe hoje à colação a figura ímpar do padre António Vieira pela vandalização da sua estátua, em Lisboa. Já em 2017 houve uma manifestação contra o ‘esclavagista seletivo’ junto à estátua que foi agora alvo da fúria mimética de quem possivelmente não leu um único sermão, uma só carta, e ignora a biografia do esculpido. Saberiam porventura tais imbecis que António Vieira defendeu os judeus, a abolição da distinção entre cristãos-novos e cristãos-velhos e a abolição da escravatura? Ou que foi um insigne diplomata?
Sou dos que aceito, no calor de uma Revolução, quando há vítimas do despotismo, as manifestações predatórias contra os símbolos da repressão. Entendo que, num contexto democrático, as estátuas dos ditadores e cúmplices deviam, por pudor, ser guardadas em vez de expostas, tal como os nomes dos facínoras exonerados da toponímia.
O que não pode, em período de normalidade democrática, é consentir-se a vandalização do património, o julgamento popular da iconografia, a delapidação dos símbolos de um passado, misérias e grandezas cuja história se procura reescrever em cada novo regime ou ao sabor de talibãs que se arvoram em defensores da virtude e dos bons costumes.
Não estão em causa opções políticas, são casos de polícia a exigir julgamento.
Claro que há estátuas afrontosas, como a do cónego Melo, em Braga, ou insólitas, como a do Papa João Paulo II, em Coimbra, mas não é na sua vandalização que se faz justiça, devendo a primeira ir para o arsenal da Câmara e a segunda trasladada para Fátima.
O que é válido para clérigos, a que me conduziu a figura do padre António Vieira, serve também para a iconografia de militares, políticos, escritores ou quaisquer outros onde o nosso país não é particularmente rico.
No caso em apreço senti repulsa e desprezo pelos energúmenos sem sensibilidade nem gabarito cultural ou ético para julgarem a escultura de que o padre António Vieira não precisava para ser um dos mais altos paladinos da língua portuguesa.
Os seus sermões constituem a apoteose do barroco na história da literatura portuguesa, o triunfo de um género a que o génio imprimiu a beleza, a coerência e a grandeza com que delicia os leitores, ainda hoje.
Vieira usou as palavras como Bernini o mármore e cinzelou-as com o fulgor da erudição e a força das convicções. Quem nunca leu Vieira não entenderá a grandeza do orador e o brilho do pensador que estendeu ao labor epistolar.
No campo das ideias, por mais difícil que seja entender como pensava um intelectual há quatro séculos, é consensual que foi defensor dos direitos humanos, na luta contra a exploração dos indígenas, e, mais tarde, contra a Inquisição, de que foi o alvo apetecido, salvo pela sorte e proteção pontifícia de que gozou.
Trouxe hoje à colação a figura ímpar do padre António Vieira pela vandalização da sua estátua, em Lisboa. Já em 2017 houve uma manifestação contra o ‘esclavagista seletivo’ junto à estátua que foi agora alvo da fúria mimética de quem possivelmente não leu um único sermão, uma só carta, e ignora a biografia do esculpido. Saberiam porventura tais imbecis que António Vieira defendeu os judeus, a abolição da distinção entre cristãos-novos e cristãos-velhos e a abolição da escravatura? Ou que foi um insigne diplomata?
Sou dos que aceito, no calor de uma Revolução, quando há vítimas do despotismo, as manifestações predatórias contra os símbolos da repressão. Entendo que, num contexto democrático, as estátuas dos ditadores e cúmplices deviam, por pudor, ser guardadas em vez de expostas, tal como os nomes dos facínoras exonerados da toponímia.
O que não pode, em período de normalidade democrática, é consentir-se a vandalização do património, o julgamento popular da iconografia, a delapidação dos símbolos de um passado, misérias e grandezas cuja história se procura reescrever em cada novo regime ou ao sabor de talibãs que se arvoram em defensores da virtude e dos bons costumes.
Não estão em causa opções políticas, são casos de polícia a exigir julgamento.
Claro que há estátuas afrontosas, como a do cónego Melo, em Braga, ou insólitas, como a do Papa João Paulo II, em Coimbra, mas não é na sua vandalização que se faz justiça, devendo a primeira ir para o arsenal da Câmara e a segunda trasladada para Fátima.
O que é válido para clérigos, a que me conduziu a figura do padre António Vieira, serve também para a iconografia de militares, políticos, escritores ou quaisquer outros onde o nosso país não é particularmente rico.
No caso em apreço senti repulsa e desprezo pelos energúmenos sem sensibilidade nem gabarito cultural ou ético para julgarem a escultura de que o padre António Vieira não precisava para ser um dos mais altos paladinos da língua portuguesa.
Ponte Europa / Sorumbático
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