Quando o silêncio é uma forma de cumplicidade
Em 46 anos de democracia nunca assisti a uma campanha tão bem orquestrada e eficaz contra o PCP como aquela que os média, os partidos concorrentes, as redes sociais e os fascistas ressuscitados organizaram de forma demolidora, e mantêm em marcha.
Em política não há gratidão, mas exige-se pudor nas atoardas,
um mínimo de decência nos ataques e alguma verdade no combate democrático.
Podem esquecer-se os militantes que morreram nas masmorras
da Pide, os combatentes contra a ditadura, os torturados, assassinados, demitidos
da função pública e deportados; pode esquecer-se o seu sofrimento, o contributo
do PCP para a arquitetura democrática do Portugal de Abril, para o equilíbrio
partidário da democracia oferecida pelo MFA; pode esquecer-se a sua participação
na elaboração da CRL, na organização sindical dos trabalhadores e no combate
democrático; o que não se pode negar ao PCP ou a qualquer outro partido é o
direito de reunião.
As reuniões partidárias não podem ser proibidas pelo
Governo, como pretende o bando de agitadores ignorantes que o acusa de permitir
aos comunistas o que não permite a outros portugueses. Simplesmente não pode. É
a Constituição que o impede. Qualquer jurista explica isso a quem está de boa
fé. É uma mentira útil, que ataca o PS e o PCP.
A restrição de direitos individuais que a AR, pluripartidária,
tem votado não engloba as reuniões dos partidos. A suspensão da atividade partidária,
quiçá dos partidos políticos, e da própria democracia é o desejo que nasce,
cresce e se reproduz no lamaçal fascista que intoxica as mentes e corrói a
democracia.
Os salazaristas, perdida a memória e a vergonha, esquecidos dos
crimes praticados pelo ELP e MDLP contra a democracia, voltaram agora a conspirar
e a quererem suprimir os direitos de quem lutou por eles.
Aos comunistas não conheço, depois da normalização
democrática, já lá vão 45 anos, a mais leve tentativa de conquista do poder
pela via revolucionária, uma única proposta de lei contra a democracia,
qualquer tentativa de destabilização política ou embrião de atividade conspirativa,
ao contrário de outros partidos.
Quando o silêncio mata, cada um de nós que se cala torna-se
cúmplice de uma traição à democracia, a esta democracia liberal que a
pluralidade partidária mantém viva, mesmo nas horas amargas e incertas que
estamos a viver.
Perante a obscena perseguição ao PCP, a lembrar a ditadura
fascista, é meu dever deixar aqui a minha solidariedade ao partido que
encontrei na luta contra a ditadura e contra a guerra colonial.
Comentários
O problema não é se o PCP pode ou não pode organizar o Congresso. É evidente que pode. A questão é se deve e é uma questão moral, não uma questão legal. Os comunistas deveriam saber que a solidariedade com a restante população que sofre com as restrições assim como a elementar prudência mandariam que adiasse o Congresso, como fizeram o PS e o BE com os seus.
A impressão que fica e que a Direita quer enfatizar é a de que existe uma regra para os políticos (especialmente para estes que provavelmente ajudarão a que se aprove o OE) e outra para o comum dos cidadãos.
Podemos escandalizar-nos com o populismo rasteiro de Rio, mas é preciso admitir que funciona.
Já sei que me dirão que voltar atrás seria prescindir de um direito e dar razão à Direita. Sucede que não consigo perceber que direito tão fundamental é esse.
Ser-se membro de uma comunidade política implica sacrifícios e o longo historial dos comunistas deveria fazer deles os primeiros a perceberem isso. Lamentavelmente, não o fizeram.
E depois, estar na luta política implica alguma manha. Às vezes, a pureza de princípios é uma péssima conselheira...