A Igreja católica francesa e os crimes sexuais do seu clero
O presidente da comissão nacional de investigação da pedofila na Igreja católica disse ter havido em França, desde 1950, “entre 2.900 e 3.200 criminosos pedófilos”, e mais de 300 mil vítimas de padres e frades.
À monstruosidade dos crimes soma-se a multidão de vítimas que,
silenciosamente, nas últimas sete décadas, 1970/2020), foram cometidos em colégios,
seminários, sacristias e residências sacerdotais.
Em primeiro lugar, está em causa a prática reiterada de um
crime que é particularmente repugnante, com marcas indeléveis nas vítimas.
Depois, é o desabar da referência moral da Igreja católica e o labéu que passa
a acossar as suas variadas instituições nas áreas da saúde, educação, assistência
e solidariedade.
Temos de interrogar-nos sobre como se desenvolveram e
perpetuaram tão amplas redes de crimes em tão grande impunidade, sem denúncia,
suspeita, escrutínio e investigação, porque não é apenas a França que está em
causa, mas o resto do mundo e não apenas os países onde a catolicidade existe.
Não é difícil especular sobre a responsabilidade que o
segredo da confissão e o celibato imposto ao clero exercem na atração de
indivíduos com especial apetência para a prática de tais crimes. Os privilégios
eclesiásticos foram seguramente responsáveis pela falta de vigilância policial
e da sociedade laica.
Mas, se à Igreja católica cabe a reflexão profunda sobre si
própria, agora que os media estão particularmente atentos aos seus
crimes, cabe aos Estados aprofundar a separação das Igrejas, e serem também
implacáveis com as outras Igrejas onde decerto os mesmos crimes são cometidos.
A pedofilia, que a vergonha e a baixa estima das vítimas
escondem, é crime que surge com frequência em internatos, laicos e
confessionais, e em família. É difícil o combate, mas não é tolerável que uma
multidão de vítimas continue a alimentar as perturbações dos delinquentes paramentados
e de muitos outros que passam incólumes.
Em democracia, a cidadania tem de sobrepor-se aos
comunitarismos, e a sociedade laica de conhecer o que se passa nas igrejas,
seminários, sinagogas, madraças, mesquitas e conventos de qualquer religião. As
instituições religiosas devem respeitar a laicidade e submeter-se ao controlo
democrático dos Estados onde estão sediadas.
Os crimes hediondos verificados em França, com a tradição mais
laica das democracias, desde 1905, só podem multiplicar-se em países onde a conivência
do Estado e da Igreja dominante é mais flagrante.
É urgente saber o que se passa em Portugal e, não apenas,
com a Igreja católica, pois os crimes de pedofilia são o reflexo de sociedades
patriarcais, uma manifestação perversa do domínio dos homens e do desprezo pela
mulher e pelas crianças de ambos os sexos.
Seria deplorável que a vergonha recaísse apenas sobre a
Igreja católica, com o primeiro Papa que se preocupa com o problema ancestral e
o único a não esconder os pedófilos e a vergonha que sente.
A ausência de investigação dos crimes deixa o campo aberto à
sua perpetuação e expõe ao labéu da infâmia a Igreja católica deixando
incólumes as religiões onde o machismo e a misoginia são ainda mais flagrantes.
Onde a Igreja católica recua, entra a concorrência e não
temo por adquirido que sejam melhores outras religiões globais.
Dos beatos não se espera apenas um ato de contrição,
exige-se a autocrítica de quem foi conivente com a instituição cujos valores
partilham.
Dirigida ao Governo e, especialmente, ao Presidente da
República, na exibição pública da sua fé particular, termino com uma citação: «O
Estado também não pode ser ateu, deísta, livre-pensador; e não pode ser, pelo
mesmo motivo porque não tem o direito de ser católico, protestante, budista. O
Estado tem de ser cético, ou melhor dizendo indiferentista» Sampaio Bruno, in
«A Questão religiosa» (1907).
Ponte Europa / Sorumbático
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