O direito ao insulto e as idiossincrasias censórias
Por muito que custe aos guardiões da moral, como se esta fosse universal e imutável, o direito ao insulto só é limitado pelo Código Penal, com a moderação que deve restringir os juízes para não ferirem a liberdade de expressão.
Há trogloditas que se sentem afrontados com os Direitos
Humanos, a igualdade entre homens e mulheres, a liberdade, a música, as
belas-artes, a carne de porco, o álcool, o vestuário feminino, o
livre-pensamento e quase tudo o que seja apanágio das sociedades civilizadas.
São capazes de lapidar, decapitar ou amputar membros a quem despreze as tolices
que julgam reveladas por um ser imaginário a cuja vontade procuram submeter a
Humanidade.
Devem respeitar-se ou combater-se as crenças que os povoam,
tradições que herdaram e preconceitos que os envenenam?
Respeitar as tradições é consentir a supremacia dos homens,
a humilhação das mulheres, a escravatura, a homofobia, o tribalismo, a
mutilação sexual feminina ou a xenofobia.
Todos somos ateus para os deuses dos outros e emigrantes em
qualquer lugar do mundo, que é de todos, e onde cada um deve ter liberdade de
expressão, circulação e opção de vida, de acordo com a Declaração Universal dos
Direitos Humanos.
Quando, em pessoas civilizadas, acorda a pulsão censória, a
exigir respeito pelas ideias alheias, é a intolerância que desperta para impor
uma mordaça. É tão indesejável quem decide o que se deve respeitar como quem
sabemos que não tolera o que pensamos.
Que compreensão pode merecer quem julgue mais relevantes
mandamentos divinos do que os 30 artigos da DUDH ou não suporte que alguém
pense o contrário de si próprio?
A sociedade civilizada não discute normas de higiene,
alfabetização ou vacinas, defende as liberdades económicas, sociais, políticas
e religiosas, e o direito de as exprimir e o de as confrontar.
O absolutismo monárquico, o totalitarismo ideológico, a
divisão em classes, os direitos de conquista, a posse das mulheres, a
escravatura e a evangelização tiveram sempre defensores, e os direitos humanos,
a democracia e o livre-pensamento tiveram de ser duramente conquistados.
Às fogueiras, lapidações, torturas e humilhações nunca
faltaram multidões entusiastas, tal como aos espetáculos de crueldade para com
os animais, difícil foi impor o fim da barbárie, defender os princípios da
Liberdade, Igualdade e Fraternidade que ainda nos falta cumprir.
O direito ao insulto e à blasfémia é uma conquista que a
impossibilidade de definir tais delitos torna imperioso defender.
O escrutínio democrático não pode ter tabus, sejam eles de
natureza religiosa, política, desportiva ou de costumes. É a permanente
contestação das verdades estabelecidas que faz avançar a Humanidade.
Ponte Europa / Sorumbático
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