Divagações de quem escreve para quem o lê
O meu prazer da escrita é diretamente proporcional ao prazer que adivinho nos que me leem e à intensidade da crispação dos que discordam, apreciando-os a todos.
Procuro escrever sem prevaricações ortográficas ou derrapagem na sintaxe, por amor à língua que me une aos leitores, por respeito que devo à memória da minha excelsa mãe e professora, por brio e na convicção de que os bons argumentos sucumbem perante a mediocridade da escrita.
O maior prazer é dizer o que sinto, transmitir o que penso e pôr os outros a pensar. Não há maneira de abdicar do que sinto, penso e desejo, de sufocar a vontade de partilhar ideias e emoções, razão por que prefiro manter vivo este mural a escrever um livro para morrer sem ser lido.
O escritor é um lavrador que revolve a terra da escrita e semeia letras de onde germinam as palavras que transplanta para as páginas em branco do livro em construção.
Ora semeia a eito, ora apara os ramos das árvores que nascem da fantasia do cultivador. Dá-lhes as cores e o cheiro, mistura-as a seu gosto e enche o campo de palavras, para as mondar antes de as distribuir num livro ou guardar no disco rígido do computador, se a timidez ou a insegurança o inibirem de as partilhar com os leitores.
É o jardineiro que debuxa canteiros onde cultiva as frases que se tornam plantas e darão folhas, flores, frutos e sementes nas árvores derrubadas para serem papel em um livro.
Onde o arado arranha a morfologia da palavra ou fere na frase a sintaxe, o escritor alivia a rabiça e procura um novo rumo para a linha que deseja com a pureza de um diamante e a beleza da prosa que preenche as páginas em branco do livro que há de ser.
As palavras ganham vida se a substância das ideias as envolverem, e perdem o fulgor se não tiverem leitores que as amem.
Ninguém escreve para si próprio, as palavras perdem-se quando não encontram leitores.
Comentários
Sou um seu admirador mas também alguém que confessa que sente por si uma certa inveja. Bem haja...
Estava certa vez num armazém-supermercado em New Jersey, USA, aguardando na caixa pela minha vez e assistia à contagem de pequenas embalagens para pagamento do cliente à minha frente enquanto os responsáveis iam contando em voz alta one two three... fortynine e inusitadamente sai "cinquenta" em português e dai para a frente a contagem foi sempre em português. Fez-me sorrir e pensar que a língua quiçá materna era-lhes mais fácil na imensidão de um Mundo onde tudo se passava a correr.
Cumprimentos