Meu caro José Faustino

Só hoje li a mensagem que a tua filha me enviou para anunciar o falecimento na última quinta-feira.

Na pungência da inesperada notícia, recordei o amigo que há anos se deslocou à Lousã, com a Esposa, para – dizias – me conhecer, como se pudesse comparar-me contigo, na generosidade, tolerância e simpatia, com o republicano que alguns anos depois, veio a um almoço do 5 de Outubro, a Coimbra, com o democrata de sempre.

Não terei mais os comentários do honrado republicano e do mais tolerante católico que conheci. Foste um homem generoso e bom que deixas uma saudade indelével no amigo que ficou em dívida. Pensava visitar-te em Lisboa, depois desta pandemia que ameaça permanecer depois de nós. Partiste antes, e ficarei sempre inadimplente.

Fico desolado nesta amarga saudade do republicano impoluto, um democrata de fortes convicções, o católico tolerante que aceitava o meu ateísmo com a benevolência cristã que eu não encontrei na catequese terrorista em que, na infância, as minhas catequistas me envenenavam as noites com pesadelos do Inferno e castigos divinos.

Tínhamos tanto em comum, José Faustino! Ambos temíamos a fúria evangelizadora dos monoteísmos e nos apavorávamos com os atos terroristas de que são capazes. Não nos resignámos às desculpas de quem é capaz de justificar os defensores da sharia, dos que veem fobias no combate ao comunitarismo e tradições toleráveis na discriminação das mulheres, nos que ignoram que todos somos ateus em relação aos deuses dos outros.

Avalio a saudade que deixaste na tua família e como se sentem desoladas a tua mulher e filha, a quem abraço comovidamente. Quando se perde um homem justo e bom não é só a família que o chora, são os amigos que também não se resignam.

Sinto os braços vazios para o abraço republicano, laico e democrático com que gostaria de te estreitar uma vez mais. Não o permitiu o ciclo biológico. Fazes-me falta.   


Comentários

Manuel disse…
Finou-se o teu grande amigo e o meu "inimigo de estimação" - como ele gostava de chamar-me - quando vinha à baila a sua religião e o meu ateísmo, tal como o seu benfiquismo (águia de ouro) e o meu sportinguismo. Era tão pouco o que nos separava e tanto o que nos unia, como a democracia, o republicanismo e uma luta comum por uma sociedade mais justa e igualitária, a par do bom gosto pelo queijo da serra e o vinho do dão. Lembro com muita saudade os velhos tempos de quase uma década de participação ativa no MR5O, quando aquele espaço de debate era melhor frequentado. Embora sabendo que não andava bem ultimamente, foi com uma profunda tristeza que recebi a notícia do infausto acontecimento através da mensagem da sua filha Maria Becas. Presto, através da tua publicação, uma homenagem à memória do meu grande, enorme, "inimigo de estimação"!
Manuel:

Há poucos homens tão bons e coerentes.

Que falta sinto!

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